A Red Bull tem seu programa de jovens pilotos há mais de 10 anos, e esse programa revelou alguns nomes muito talentosos. Também soube demolir algumas carreiras promissoras e acabar até mesmo tirar pilotos do automobilismo. Relembre aqui alguns casos, que serão depois acompanhados de uma conclusão a respeito do programa.
Vitantonio Liuzzi e Scott Speed: as primeiras vítimas do moedor
A Toro Rosso foi uma equipe comprada pela Red Bull no fim de 2005. Sua antecessora era a Minardi, que durante vários anos tinha a tarefa de ocupar os últimos lugares do grid de largada. A Toro Rosso passou a ser uma espécia de “vestibular” para os jovens pilotos da academia da Red Bull: foi bem, vai para a equipe matriz. Foi mal, está fora. E praticamente limado do resto do grid.
A equipe B da Red Bull sempre teve uma característica peculiar: colocar pilotos com perfis completamente diferentes para guiar os carros da Toro Rosso. Vitantonio Liuzzi e Scott Speed foram os dois primeiros a guiar pela escuderia. Liuzzi era simpático, bonachão e alegre, enquanto Speed era arrogante e por vezes fazia questão de se portar como um verdadeiro débil mental, dentro e fora da pista. Ambos tinham uma única característica: eram pilotos absurdamente inexpressivos.
O primeiro ano da Toro Rosso serviu para mostrar que seus pilotos eram bem menos do que eles imaginavam e que o carro, apesar de ser bonito, servia para ser a antepenúltima equipe do grid: o único ponto da escuderia em 2006 foi marcado por Liuzzi no GP dos Estados Unidos. O italiano foi o oitavo em uma corrida que apenas nove carros conseguiram chegar ao fim.
Nas primeiras nove corridas de 2007, ninguém nem lembrava da existência da Toro Rosso. a 10ª, que foi disputada em Nürburgring. Com uma chuva atípica, a equipe italiana viu seus dois pilotos abandonarem: Speed e Liuzzi foram alguns dos vários carros que deixaram seus carros na brita após a curva 1. Liuzzi ainda protagonizou uma cena grotesca, em que bateu no trator que removia os outros carros.
Logo após a corrida, Scott Speed e Franz Tost, chefe da equipe, saíram no tapa e o piloto estadunidense foi demitido e substituído por Sebastian Vettel a partir da corrida seguinte. Caso você queira saber por que eu afirmei que Speed se comportava como um débil mental, aqui vai a resposta.
Sebastian Vettel: o garoto de ouro
Sebastian Vettel fez seu primeiro teste na Fórmula 1 em 2006. O alemão era piloto reserva da BMW-Sauber e estava na equipe para ganhar experiência. A esquadra alemã o confirmou para o primeiro treino livre do GP da Turquia daquele ano e ele foi o melhor da sessão.
No GP do Canadá de 2007, Robert Kubica sofreu o acidente mais pavoroso do século XXI e nada sofreu. Os médicos, porém, o vetaram de participar da corrida seguinte, disputada em Indianápolis: um novo acidente poderia trazer danos irreversíveis ao polonês. Vettel foi colocado em seu lugar, fez uma corrida consistente e marcou um ponto ao chegar em oitavo.
Com a demissão de Scott Speed, Vettel foi chamado para assumir o lugar do ianque. Fez pouco nas quatro primeiras corridas, mas brilhou no GP do Japão: debaixo de uma tempestade cruel que caía sobre o circuito de Monte Fuji, Vettel estava em terceiro, atrás de Mark Webber, piloto da Red Bull (“mãe” da Toro Rosso) e do líder Lewis Hamilton, que ao dar uma freada brusca desconcentrou Vettel. O alemão acertou Webber, os dois saíram da prova e o piloto da Toro Rosso acabou o dia chorando nos boxes.
Sebastian foi considerado culpado pelo acidente com Webber e perdeu cinco posições no grid da corrida seguinte, disputada na China. Atuou com maestria e, largando em 17º, foi o quarto colocado. Mostrou ali que era um futuro astro da Fórmula 1. Vitantonio Liuzzi, já moribundo no programa de jovens pilotos e companheiro de Vettel, concluiu a corrida em sexto lugar.
Na temporada seguinte, Vettel fez um campeonato digno de aplausos. Com uma Toro Rosso, o alemão venceu o GP da Itália e tirou tudo o que podia do carro. A vitória no GP da Itália, aliás, foi uma das mais fáceis de sua carreira. Vettel largou na pole ao lado de Heikki Kovalainen, um piloto que até hoje ninguém sabe por que foi parar na McLaren. Contrariando todos os prognósticos, Vettel sumiu na frente e colocou 12 segundos de vantagem em Kovalainen.
Sebastian foi promovido da Toro Rosso para a Red Bull após a aposentadoria de David Coulthard. Foi quatro vezes campeão do mundo e deixou a Red Bull no final de 2014. Vettel, apesar de ter saído da Red Bull, é a grande sombra na carreira de qualquer jovem piloto que integra a academia rubro-taurina: os bons resultados de Vettel colocaram que qualquer piloto tem a obrigação de ser genial com um carro mediano como o da Toro Rosso.
Sebastien Bourdais: demitido via SMS
Sim, eu sei que Sebastien Bourdais já era um piloto experiente quando foi para a Toro Rosso em 2008. Mas o objetivo deste post não é apenas relembrar os casos de pilotos jovens que foram demitidos e ficaram praticamente sem futuro, mas sim recordar da imensa falta de respeito que Franz Tost e Helmut Marko tiveram com os pilotos que para eles guiaram.
Sebastien Bourdais foi campeão da Fórmula 3000 em 2002. Seu título ocorreu fora da pista: o tcheco Tomás Enge venceu a competição, mas foi flagrado no exame antidoping, que apontou uso de maconha. Vice, Bourdais herdou o título. Fez alguns testes com a Arrows, que já estava morrendo, e com a Renault. Não entrou em acordo com nenhuma das equipes e foi para a Champ Car, onde instaurou um império: tetracampeão entre 2004 e 2007.
A vontade de ser piloto de Fórmula 1, porém, sempre acompanhou o francês nascido em Le Mans. A oportunidade veio logo após seu quarto título, no final de 2007. A tarefa era substituir Vitantonio Liuzzi na Toro Rosso. E Bourdais foi esmagado por Sebastian Vettel, seu então companheiro de equipe. Enquanto o alemão foi o oitavo no campeonato, o francês foi apenas 17º.
Após ganhar nova chance em 2009 e ser superado (ainda que não com tanta margem) por Sebastien Buemi, Bourdais foi demitido via SMS para dar lugar a uma jovem promessa que seria prioridade na Red Bull: o piloto espanhol Jaime Alguersuari. E assim iniciaremos um novo capítulo…
Alguersuari e Buemi: mais algumas das vítimas
Novamente, a Toro Rosso colocou em seu moedor de carne dois jovens que tinham características muito diferentes: Jaime Alguersuari era um piloto que não fazia absolutamente nada nos treinos, mas que conseguia alguns bons resultados nas corridas. Buemi era um piloto consistente, mas que não conseguia mostrar muito o seu talento. O carro de 2010 foi um dos piores da história da Toro Rosso. Pela primeira vez a equipe fabricou seu próprio chassi: antes, aproveitava o projeto da Red Bull.
Alguersuari e Buemi não eram pilotos exatamente fáceis de trabalhar. O espanhol era um pouco destemperado e subia na cabeça o fato de ser filho do dono da World Series by Renault. Buemi, por sua vez, era um pouco retraído e não colaborava muito com a equipe. Os pilotos passaram a dividir os boxes da Toro Rosso desde o GP da Hungria de 2009. Após a demissão de Bourdais, Alguersuari foi contratado para ser o titular da equipe e se tornou o mais jovem piloto da história da Fórmula 1.
Os resultados dos pilotos não vieram. 2009 e 2010 foram os dois piores anos da Toro Rosso: a escuderia marcou 8 e 13 pontos, respectivamente. No primeiro ano, foram dois pontos de Bourdais e seis de Buemi. No segundo, cinco de Alguersuari contra oito de Buemi. E 2011 foi um ano decisivo tanto para o espanhol quanto para o suíço.
Todos devem se lembrar que 2011 foi uma temporada com um campeonato entediante e com corridas emocionantes e disputadas. Fora uma ou outra polêmica, existiram apenas duas grandes rivalidades na temporada: Lewis Hamilton e Felipe Massa, que estavam disputando quem fazia um ano pior e Alguersuari contra Buemi.
Ambos tinham qualidades e defeitos. Buemi é mais talentoso que Alguersuari, mas não lidava tão bem com a pressão quanto o companheiro de equipe. O suíço começou o ano com algumas boas atuações, mas o espanhol emplacou uma série de bons resultados a partir do GP da Europa. Helmut Marko, consultor do programa de jovens pilotos, deu a entender que quem ficasse na frente no campeonato continuaria na Toro Rosso em 2012, enquanto o perdedor seria demitido.
Porém, a rivalidade entre os dois pilotos pouco adiantou: Alguersuari e Buemi foram demitidos da Toro Rosso ao final de 2011 e para seus lugares foram anunciados Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne.
Buemi hoje é piloto da Toyota no WEC (Campeonato Mundial de Endurance) e da e.dams Renault na Fórmula E. Foi campeão do WEC em 2014 e da Fórmula E em 2015/2016. Alguersuari passou 2012 e 2013 como comentarista da BBC e piloto de testes da Pirelli. Em 2014 se tornou piloto da Virgin na Fórmula E e em setembro de 2015 anunciou sua aposentadoria das pistas. Hoje é apresentador de um programa de TV espanhol, além de atuar como DJ.
Ricciardo e Vergne: Um foi aproveitado e o outro foi cuspido
Quando anunciados como novos pilotos da Toro Rosso, Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne ouviram as mesmas bajulações que seus antecessores Buemi e Alguersuari ouviram. O campeonato de 2012 da dupla foi fraco: 12 pontos para Vergne, contra 10 de Ricciardo. Em 2013, os pilotos foram um pouco melhor, desta vez com Ricciardo à frente.
Os dois pilotos da Toro Rosso passaram todo o ano de 2013 em uma eterna disputa: com a mudança de Mark Webber da Red Bull para a Porsche no Mundial de Endurance, Vergne e Ricciardo sabiam que um deles seria companheiro de Sebastian Vettel em 2014. Ricciardo foi o escolhido, enquanto JEV ganhou mais um ano na Toro Rosso, tendo como companheiro o jovem russo Daniil Kvyat.
Daniil Kvyat: Rebaixado para proteger Verstappen da Ferrari
A confirmação do russo Daniil Kvyat para a vaga de Daniel Ricciardo causou enorme estranheza. O português Antonio Félix da Costa dava vários indícios de que seria confirmado pela Toro Rosso. Kvyat chegou sem fazer muito barulho. Em 2014, seu primeiro ano na Fórmula 1, mostrou ter uma característica nada positiva: ser “leão de treino”, apelido dado aos pilotos que conseguiam fazer voltas voadoras na classificação e não conseguir converter em bons resultados na hora da corrida.
Dividindo a Toro Rosso com Jean-Éric Vergne, Kvyat fez menos da metade dos pontos do companheiro de equipe (22 para JEV e 8 para Kvyat), mas a academia de jovens pilotos decidiu promover o russo para 2015. Passados quase dois anos da decisão da Red Bull, muitos ainda questionam essa decisão, que se mostrou pouco acertada.
A promoção de Kvyat aconteceu graças a Sebastian Vettel: o alemão decidiu substituir Fernando Alonso na Ferrari. A temporada de 2014 de Vettel foi abaixo da média: Ricciardo, que chegou à Red Bull para ser apenas um “cordeirinho” de Vettel, venceu três corridas e foi terceiro no campeonato. O alemão não venceu nenhuma e subiu poucas vezes ao pódio.
Em 2015, nem Kvyat nem Ricciardo conseguiram bons desempenhos com a Red Bull: o carro era pouco competitivo e teve fôlego para apenas três pódios: Ricciardo foi terceiro na Hungria e segundo em Cingapura e Kvyat foi o segundo na Hungria. 2016 parecia um ano mais animador.
Kvyat já havia sido criticado por Helmut Marko algumas vezes em 2015, que afirmou que esperava mais do russo. O piloto já estava um pouco ameaçado com o brilho dos pilotos da Toro Rosso, Max Verstappen e Carlos Sainz Jr. Porém, Kvyat conseguiu um terceiro lugar logo na terceira corrida de 2016, na China. Corrida essa que teve uma discussão pós prova entre ele e Sebastian Vettel.
O alemão acusou seu substituto na Red Bull de ter feito uma largada muito agressiva, enquanto o russo partiu para o contra-ataque, dizendo que havia sido apenas um lance de corrida. As coisas esfriaram, mas na corrida seguinte, na Rússia, Vettel e Kvyat voltaram a se estranhar.
Logo na largada, Kvyat tocou no carro de Vettel. De quebra, ainda encostou em Daniel Ricciardo, seu companheiro de equipe, que sofreu alguns problemas em seu Red Bull. Duas curvas depois, o russo tocou de novo na traseira de Sebastian, provocando uma rodada e uma batida do piloto alemão, que abandonou. Kvyat chegou em 15º lugar e Ricciardo, prejudicado pelo toque com o companheiro de equipe na largada, foi 11º.
Logo após seu abandono, Vettel foi visto pela TV conversando com Christian Horner, chefe da Red Bull. Segundo Horner, o alemão pediu para que os chefes tivessem uma “conversa séria” com Kvyat. E alguns dias depois foi tomada a decisão de tirar Kvyat da Red Bull e rebaixá-lo para a Toro Rosso, colocando Max Verstappen em seu lugar.
Há quem diga que a decisão foi feita não a pedido de Vettel, mas com o intuito de preservar Verstappen das investidas da Ferrari: a escuderia de Maranello havia procurado o holandês algumas vezes, sondando o piloto a assumir a vaga de Kimi Räikkönen em 2018.
Verstappen e Sainz: os pilotos de hoje
Carlos Sainz foi um dos maiores pilotos de rali da história. Bicampeão e com 26 vitórias, o espanhol nunca correu na Fórmula 1, mas é respeitadíssimo em todo o automobilismo. Jos Verstappen correu na Fórmula 1 entre 1994 e 2003. Conseguiu apenas dois pódios e era conhecido por ter um comportamento explosivo.
Carlos Sainz Jr é filho do campeão de rali e herdou o talento do pai. Estreou na Fórmula 1 em 2015, em uma temporada recheada de belas atuações e de uma impressionante sequência de azares. Abandonou nove dos 30 grandes prêmios que participou, mas nenhum por culpa dele.
Max Verstappen, filho de Jos, não herdou praticamente nada do pai. Considerado um piloto muito concentrado e muito fácil de trabalhar, o jovem holandês conseguiu em dois anos mais resultados que o pai em nove.
Sainz Jr e Verstappen estrearam juntos na Fórmula 1. Verstappen fez mais pontos que o companheiro de equipe, que não se intimidou com os bons resultados e com a badalação em tornou de seu colega. Muito seguro e confiante, o espanhol sempre se dava muito bem nos treinos classificatórios.
Ao ser promovido de surpresa para a Red Bull, Verstappen provou todo o seu talento. Chegou e venceu logo sua primeira corrida, o GP da Espanha. É verdade que a vitória foi facilitada por conta do acidente de Lewis Hamilton e Nico Rosberg, mas nada tira o mérito do holandês, que segurou Kimi Räikkönen e Sebastian Vettel para vencer.
Sainz Jr, que desde o GP da Espanha é companheiro de Daniil Kvyat, está dando uma verdadeira lavada no colega de equipe. Com a mesma Toro Rosso, Sainz conquistou 26 pontos nas sete corridas em que disputaram juntos. Kvyat, por sua vez, marcou apenas 2. Segundo a agência de notícia russa “Izvestia”, Daniil deixará a Toro Rosso no final de 2016.
Carlos Sainz Jr tem o perfil que a Red Bull mais procura: é um piloto centrado, comprometido, sério e recatado, além de ser muito talentoso. Christian Horner e Helmut Marko já sinalizaram seu objetivo: promover o espanhol. Franz Tost, chefe da Toro Rosso, também rasga elogios ao piloto.
CONCLUSÃO
Nenhum piloto que algum dia correu na Fórmula 1 dirá que não há pressão e que o ambiente é descontraído. Mas a academia de jovens pilotos da Red Bull consegue aumentar ainda mais a pressão, deixando qualquer piloto absurdamente estressado. Dos 12 pilotos que correram na Toro Rosso, apenas Vettel, Ricciardo, Kvyat e Verstappen foram aproveitados, sendo que o penúltimo desta lista foi rebaixado e voltou à Toro Rosso.
Além do número já assustador a respeito do número de promovidos, um número ainda mais impressionante mostra que dos pilotos que foram demitidos, apenas Vitantonio Liuzzi conseguiu ganhar uma sobrevida: o italiano foi contratado pela Force India para ser piloto de testes em 2008 e assumiu a vaga de Giancarlo Fisichella em 2009.
É verdade que Speed e Alguersuari não eram pilotos exatamente destacados, mas Jean-Éric Vergne e Sebastien Buemi ainda tinham muita lenha para queimar na Fórmula 1. Hoje, Vergne é piloto de testes da Ferrari e corre na Virgin na Fórmula E, enquanto Buemi brilha na mesma Fórmula E e no WEC.
Daniil Kvyat afirmou que está vivendo um momento difícil em sua carreira, e a Red Bull tem uma enorme parcela de culpa em relação a isso. Kvyat provavelmente será o novo touro a ser moído pela Red Bull. Pierre Gasly e Sérgio Sette Câmara estão na cola do russo para sucedê-lo. Quando cada um desses pilotos for promovido, ouvirá as mesmas loas e bajulações que Speed, Liuzzi, Vettel, Alguersuari, Buemi, Ricciardo, Vergne, Kvyat, Verstappen e Sainz ouviram. E a grande maioria desses pilotos já não faz mais parte da Red Bull. Até quando a Red Bull, por meio de Helmut Marko, Christian Horner e Franz Tost, irá queimar jovens pilotos?