O moedor de touros

A Red Bull tem seu programa de jovens pilotos há mais de 10 anos, e esse programa revelou alguns nomes muito talentosos. Também soube demolir algumas carreiras promissoras e acabar até mesmo tirar pilotos do automobilismo. Relembre aqui alguns casos, que serão depois acompanhados de uma conclusão a respeito do programa.

Vitantonio Liuzzi e Scott Speed: as primeiras vítimas do moedor

FORMULA 1 - American Grand Prix
Liuzzi e Speed foram as primeiras vítimas do moedor de carne de touros vermelhos.

A Toro Rosso foi uma equipe comprada pela Red Bull no fim de 2005. Sua antecessora era a Minardi, que durante vários anos tinha a tarefa de ocupar os últimos lugares do grid de largada. A Toro Rosso passou a ser uma espécia de “vestibular” para os jovens pilotos da academia da Red Bull: foi bem, vai para a equipe matriz. Foi mal, está fora. E praticamente limado do resto do grid.

A equipe B da Red Bull sempre teve uma característica peculiar: colocar pilotos com perfis completamente diferentes para guiar os carros da Toro Rosso. Vitantonio Liuzzi e Scott Speed foram os dois primeiros a guiar pela escuderia. Liuzzi era simpático, bonachão e alegre, enquanto Speed era arrogante e por vezes fazia questão de se portar como um verdadeiro débil mental, dentro e fora da pista. Ambos tinham uma única característica: eram pilotos absurdamente inexpressivos.

O primeiro ano da Toro Rosso serviu para mostrar que seus pilotos eram bem menos do que eles imaginavam e que o carro, apesar de ser bonito, servia para ser a antepenúltima equipe do grid: o único ponto da escuderia em 2006 foi marcado por Liuzzi no GP dos Estados Unidos. O italiano foi o oitavo em uma corrida que apenas nove carros conseguiram chegar ao fim.

Nas primeiras nove corridas de 2007, ninguém nem lembrava da existência da Toro Rosso. a 10ª, que foi disputada em Nürburgring. Com uma chuva atípica, a equipe italiana viu seus dois pilotos abandonarem: Speed e Liuzzi foram alguns dos vários carros que deixaram seus carros na brita após a curva 1. Liuzzi ainda protagonizou uma cena grotesca, em que bateu no trator que removia os outros carros.

Logo após a corrida, Scott Speed e Franz Tost, chefe da equipe, saíram no tapa e o piloto estadunidense foi demitido e substituído por Sebastian Vettel a partir da corrida seguinte. Caso você queira saber por que eu afirmei que Speed se comportava como um débil mental, aqui vai a resposta.

Sebastian Vettel: o garoto de ouro

Vettel Italia 2008
Para os chefes da Red Bull e Toro Rosso, os pilotos que não conseguem o que Vettel conseguiu são fracassados e incompetentes.

Sebastian Vettel fez seu primeiro teste na Fórmula 1 em 2006. O alemão era piloto reserva da BMW-Sauber e estava na equipe para ganhar experiência. A esquadra alemã o confirmou para o primeiro treino livre do GP da Turquia daquele ano e ele foi o melhor da sessão.

No GP do Canadá de 2007, Robert Kubica sofreu o acidente mais pavoroso do século XXI e nada sofreu. Os médicos, porém, o vetaram de participar da corrida seguinte, disputada em Indianápolis: um novo acidente poderia trazer danos irreversíveis ao polonês. Vettel foi colocado em seu lugar, fez uma corrida consistente e marcou um ponto ao chegar em oitavo.

Com a demissão de Scott Speed, Vettel foi chamado para assumir o lugar do ianque. Fez pouco nas quatro primeiras corridas, mas brilhou no GP do Japão: debaixo de uma tempestade cruel que caía sobre o circuito de Monte Fuji, Vettel estava em terceiro, atrás de Mark Webber, piloto da Red Bull (“mãe” da Toro Rosso) e do líder Lewis Hamilton, que ao dar uma freada brusca desconcentrou Vettel. O alemão acertou Webber, os dois saíram da prova e o piloto da Toro Rosso acabou o dia chorando nos boxes.

Sebastian foi considerado culpado pelo acidente com Webber e perdeu cinco posições no grid da corrida seguinte, disputada na China. Atuou com maestria e, largando em 17º, foi o quarto colocado. Mostrou ali que era um futuro astro da Fórmula 1. Vitantonio Liuzzi, já moribundo no programa de jovens pilotos e companheiro de Vettel, concluiu a corrida em sexto lugar.

Na temporada seguinte, Vettel fez um campeonato digno de aplausos. Com uma Toro Rosso, o alemão venceu o GP da Itália e tirou tudo o que podia do carro. A vitória no GP da Itália, aliás, foi uma das mais fáceis de sua carreira. Vettel largou na pole ao lado de Heikki Kovalainen, um piloto que até hoje ninguém sabe por que foi parar na McLaren. Contrariando todos os prognósticos, Vettel sumiu na frente e colocou 12 segundos de vantagem em Kovalainen.

Sebastian foi promovido da Toro Rosso para a Red Bull após a aposentadoria de David Coulthard. Foi quatro vezes campeão do mundo e deixou a Red Bull no final de 2014. Vettel, apesar de ter saído da Red Bull, é a grande sombra na carreira de qualquer jovem piloto que integra a academia rubro-taurina: os bons resultados de Vettel colocaram que qualquer piloto tem a obrigação de ser genial com um carro mediano como o da Toro Rosso.

Sebastien Bourdais: demitido via SMS

Bourdais 2008
Tetracampeão da Champ Car, Bourdais realmente não fez nada de extraordinário na Fórmula 1, mas merecia mais respeito na hora de ser demitido.

Sim, eu sei que Sebastien Bourdais já era um piloto experiente quando foi para a Toro Rosso em 2008. Mas o objetivo deste post não é apenas relembrar os casos de pilotos jovens que foram demitidos e ficaram praticamente sem futuro, mas sim recordar da imensa falta de respeito que Franz Tost e Helmut Marko tiveram com os pilotos que para eles guiaram.

Sebastien Bourdais foi campeão da Fórmula 3000 em 2002. Seu título ocorreu fora da pista: o tcheco Tomás Enge venceu a competição, mas foi flagrado no exame antidoping, que apontou uso de maconha. Vice, Bourdais herdou o título. Fez alguns testes com a Arrows, que já estava morrendo, e com a Renault. Não entrou em acordo com nenhuma das equipes e foi para a Champ Car, onde instaurou um império: tetracampeão entre 2004 e 2007.

A vontade de ser piloto de Fórmula 1, porém, sempre acompanhou o francês nascido em Le Mans. A oportunidade veio logo após seu quarto título, no final de 2007. A tarefa era substituir Vitantonio Liuzzi na Toro Rosso. E Bourdais foi esmagado por Sebastian Vettel, seu então companheiro de equipe. Enquanto o alemão foi o oitavo no campeonato, o francês foi apenas 17º.

Após ganhar nova chance em 2009 e ser superado (ainda que não com tanta margem) por Sebastien Buemi, Bourdais foi demitido via SMS para dar lugar a uma jovem promessa que seria prioridade na Red Bull: o piloto espanhol Jaime Alguersuari. E assim iniciaremos um novo capítulo…

Alguersuari e Buemi: mais algumas das vítimas

Alguersuari Buemi
Jaime Alguersuari e Sebastien Buemi: bons pilotos, mas incompetentes para os padrões da Red Bull.

Novamente, a Toro Rosso colocou em seu moedor de carne dois jovens que tinham características muito diferentes: Jaime Alguersuari era um piloto que não fazia absolutamente nada nos treinos, mas que conseguia alguns bons resultados nas corridas. Buemi era um piloto consistente, mas que não conseguia mostrar muito o seu talento. O carro de 2010 foi um dos piores da história da Toro Rosso. Pela primeira vez a equipe fabricou seu próprio chassi: antes, aproveitava o projeto da Red Bull.

Alguersuari e Buemi não eram pilotos exatamente fáceis de trabalhar. O espanhol era um pouco destemperado e subia na cabeça o fato de ser filho do dono da World Series by Renault. Buemi, por sua vez, era um pouco retraído e não colaborava muito com a equipe. Os pilotos passaram a dividir os boxes da Toro Rosso desde o GP da Hungria de 2009. Após a demissão de Bourdais, Alguersuari foi contratado para ser o titular da equipe e se tornou o mais jovem piloto da história da Fórmula 1.

Os resultados dos pilotos não vieram. 2009 e 2010 foram os dois piores anos da Toro Rosso: a escuderia marcou 8 e 13 pontos, respectivamente. No primeiro ano, foram dois pontos de Bourdais e seis de Buemi. No segundo, cinco de Alguersuari contra oito de Buemi. E 2011 foi um ano decisivo tanto para o espanhol quanto para o suíço.

Todos devem se lembrar que 2011 foi uma temporada com um campeonato entediante e com corridas emocionantes e disputadas. Fora uma ou outra polêmica, existiram apenas duas grandes rivalidades na temporada: Lewis Hamilton e Felipe Massa, que estavam disputando quem fazia um ano pior e Alguersuari contra Buemi.

Ambos tinham qualidades e defeitos. Buemi é mais talentoso que Alguersuari, mas não lidava tão bem com a pressão quanto o companheiro de equipe. O suíço começou o ano com algumas boas atuações, mas o espanhol emplacou uma série de bons resultados a partir do GP da Europa. Helmut Marko, consultor do programa de jovens pilotos, deu a entender que quem ficasse na frente no campeonato continuaria na Toro Rosso em 2012, enquanto o perdedor seria demitido.

Porém, a rivalidade entre os dois pilotos pouco adiantou: Alguersuari e Buemi foram demitidos da Toro Rosso ao final de 2011 e para seus lugares foram anunciados Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne.

Buemi hoje é piloto da Toyota no WEC (Campeonato Mundial de Endurance) e da e.dams Renault na Fórmula E. Foi campeão do WEC em 2014 e da Fórmula E em 2015/2016. Alguersuari passou 2012 e 2013 como comentarista da BBC e piloto de testes da Pirelli. Em 2014 se tornou piloto da Virgin na Fórmula E e em setembro de 2015 anunciou sua aposentadoria das pistas. Hoje é apresentador de um programa de TV espanhol, além de atuar como DJ.

Ricciardo e Vergne: Um foi aproveitado e o outro foi cuspido

F1 Grand Prix of Bahrain - Previews
Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne: o primeiro se tornou titular da Red Bull; o outro foi cuspido do programa.

Quando anunciados como novos pilotos da Toro Rosso, Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne ouviram as mesmas bajulações que seus antecessores Buemi e Alguersuari ouviram. O campeonato de 2012 da dupla foi fraco: 12 pontos para Vergne, contra 10 de Ricciardo. Em 2013, os pilotos foram um pouco melhor, desta vez com Ricciardo à frente.

Os dois pilotos da Toro Rosso passaram todo o ano de 2013 em uma eterna disputa: com a mudança de Mark Webber da Red Bull para a Porsche no Mundial de Endurance, Vergne e Ricciardo sabiam que um deles seria companheiro de Sebastian Vettel em 2014. Ricciardo foi o escolhido, enquanto JEV ganhou mais um ano na Toro Rosso, tendo como companheiro o jovem russo Daniil Kvyat.

Daniil Kvyat: Rebaixado para proteger Verstappen da Ferrari

Kvyat Red Bull
Daniil Kvyat foi promovido pela Red Bull para substituir Sebastian Vettel. Após uma temporada e quatro corridas, Helmut Marko decidiu substituí-lo por Max Verstappen.

A confirmação do russo Daniil Kvyat para a vaga de Daniel Ricciardo causou enorme estranheza. O português Antonio Félix da Costa dava vários indícios de que seria confirmado pela Toro Rosso. Kvyat chegou sem fazer muito barulho. Em 2014, seu primeiro ano na Fórmula 1, mostrou ter uma característica nada positiva: ser “leão de treino”, apelido dado aos pilotos que conseguiam fazer voltas voadoras na classificação e não conseguir converter em bons resultados na hora da corrida.

Dividindo a Toro Rosso com Jean-Éric Vergne, Kvyat fez menos da metade dos pontos do companheiro de equipe (22 para JEV e 8 para Kvyat), mas a academia de jovens pilotos decidiu promover o russo para 2015. Passados quase dois anos da decisão da Red Bull, muitos ainda questionam essa decisão, que se mostrou pouco acertada.

A promoção de Kvyat aconteceu graças a Sebastian Vettel: o alemão decidiu substituir Fernando Alonso na Ferrari. A temporada de 2014 de Vettel foi abaixo da média: Ricciardo, que chegou à Red Bull para ser apenas um “cordeirinho” de Vettel, venceu três corridas e foi terceiro no campeonato. O alemão não venceu nenhuma e subiu poucas vezes ao pódio.

Em 2015, nem Kvyat nem Ricciardo conseguiram bons desempenhos com a Red Bull: o carro era pouco competitivo e teve fôlego para apenas três pódios: Ricciardo foi terceiro na Hungria e segundo em Cingapura e Kvyat foi o segundo na Hungria. 2016 parecia um ano mais animador.

Kvyat já havia sido criticado por Helmut Marko algumas vezes em 2015, que afirmou que esperava mais do russo. O piloto já estava um pouco ameaçado com o brilho dos pilotos da Toro Rosso, Max Verstappen e Carlos Sainz Jr. Porém, Kvyat conseguiu um terceiro lugar logo na terceira corrida de 2016, na China. Corrida essa que teve uma discussão pós prova entre ele e Sebastian Vettel.

O alemão acusou seu substituto na Red Bull de ter feito uma largada muito agressiva, enquanto o russo partiu para o contra-ataque, dizendo que havia sido apenas um lance de corrida. As coisas esfriaram, mas na corrida seguinte, na Rússia, Vettel e Kvyat voltaram a se estranhar.

Logo na largada, Kvyat tocou no carro de Vettel. De quebra, ainda encostou em Daniel Ricciardo, seu companheiro de equipe, que sofreu alguns problemas em seu Red Bull. Duas curvas depois, o russo tocou de novo na traseira de Sebastian, provocando uma rodada e uma batida do piloto alemão, que abandonou. Kvyat chegou em 15º lugar e Ricciardo, prejudicado pelo toque com o companheiro de equipe na largada, foi 11º.

Logo após seu abandono, Vettel foi visto pela TV conversando com Christian Horner, chefe da Red Bull. Segundo Horner, o alemão pediu para que os chefes tivessem uma “conversa séria” com Kvyat. E alguns dias depois foi tomada a decisão de tirar Kvyat da Red Bull e rebaixá-lo para a Toro Rosso, colocando Max Verstappen em seu lugar.

Há quem diga que a decisão foi feita não a pedido de Vettel, mas com o intuito de preservar Verstappen das investidas da Ferrari: a escuderia de Maranello havia procurado o holandês algumas vezes, sondando o piloto a assumir a vaga de Kimi Räikkönen em 2018.

Verstappen e Sainz: os pilotos de hoje

Verstappen Sainz jovens
Carlos Sainz Jr e Max Verstappen: Sainz hoje é companheiro de Daniil Kvyat na Toro Rosso, enquanto Verstappen é visto como o grande piloto de 2016.

Carlos Sainz foi um dos maiores pilotos de rali da história. Bicampeão e com 26 vitórias, o espanhol nunca correu na Fórmula 1, mas é respeitadíssimo em todo o automobilismo. Jos Verstappen correu na Fórmula 1 entre 1994 e 2003. Conseguiu apenas dois pódios e era conhecido por ter um comportamento explosivo.

Carlos Sainz Jr é filho do campeão de rali e herdou o talento do pai. Estreou na Fórmula 1 em 2015, em uma temporada recheada de belas atuações e de uma impressionante sequência de azares. Abandonou nove dos 30 grandes prêmios que participou, mas nenhum por culpa dele.

Max Verstappen, filho de Jos, não herdou praticamente nada do pai. Considerado um piloto muito concentrado e muito fácil de trabalhar, o jovem holandês conseguiu em dois anos mais resultados que o pai em nove.

Sainz Jr e Verstappen estrearam juntos na Fórmula 1. Verstappen fez mais pontos que o companheiro de equipe, que não se intimidou com os bons resultados e com a badalação em tornou de seu colega. Muito seguro e confiante, o espanhol sempre se dava muito bem nos treinos classificatórios.

Ao ser promovido de surpresa para a Red Bull, Verstappen provou todo o seu talento. Chegou e venceu logo sua primeira corrida, o GP da Espanha. É verdade que a vitória foi facilitada por conta do acidente de Lewis Hamilton e Nico Rosberg, mas nada tira o mérito do holandês, que segurou Kimi Räikkönen e Sebastian Vettel para vencer.

Sainz Jr, que desde o GP da Espanha é companheiro de Daniil Kvyat, está dando uma verdadeira lavada no colega de equipe. Com a mesma Toro Rosso, Sainz conquistou 26 pontos nas sete corridas em que disputaram juntos. Kvyat, por sua vez, marcou apenas 2. Segundo a agência de notícia russa “Izvestia”, Daniil deixará a Toro Rosso no final de 2016.

Carlos Sainz Jr tem o perfil que a Red Bull mais procura: é um piloto centrado, comprometido, sério e recatado, além de ser muito talentoso. Christian Horner e Helmut Marko já sinalizaram seu objetivo: promover o espanhol. Franz Tost, chefe da Toro Rosso, também rasga elogios ao piloto.

CONCLUSÃO

Nenhum piloto que algum dia correu na Fórmula 1 dirá que não há pressão e que o ambiente é descontraído. Mas a academia de jovens pilotos da Red Bull consegue aumentar ainda mais a pressão, deixando qualquer piloto absurdamente estressado. Dos 12 pilotos que correram na Toro Rosso, apenas Vettel, Ricciardo, Kvyat e Verstappen foram aproveitados, sendo que o penúltimo desta lista foi rebaixado e voltou à Toro Rosso.

Além do número já assustador a respeito do número de promovidos, um número ainda mais impressionante mostra que dos pilotos que foram demitidos, apenas Vitantonio Liuzzi conseguiu ganhar uma sobrevida: o italiano foi contratado pela Force India para ser piloto de testes em 2008 e assumiu a vaga de Giancarlo Fisichella em 2009.

É verdade que Speed e Alguersuari não eram pilotos exatamente destacados, mas Jean-Éric Vergne e Sebastien Buemi ainda tinham muita lenha para queimar na Fórmula 1. Hoje, Vergne é piloto de testes da Ferrari e corre na Virgin na Fórmula E, enquanto Buemi brilha na mesma Fórmula E e no WEC.

Daniil Kvyat afirmou que está vivendo um momento difícil em sua carreira, e a Red Bull tem uma enorme parcela de culpa em relação a isso. Kvyat provavelmente será o novo touro a ser moído pela Red Bull. Pierre Gasly e Sérgio Sette Câmara estão na cola do russo para sucedê-lo. Quando cada um desses pilotos for promovido, ouvirá as mesmas loas e bajulações que Speed, Liuzzi, Vettel, Alguersuari, Buemi, Ricciardo, Vergne, Kvyat, Verstappen e Sainz ouviram. E a grande maioria desses pilotos já não faz mais parte da Red Bull. Até quando a Red Bull, por meio de Helmut Marko, Christian Horner e Franz Tost, irá queimar jovens pilotos?

Hora extra de Kimi?

Raikkonen 2007 Brazil
Kimi Räikkönen comemorando seu título no GP do Brasil de 2007. Talvez o mais subestimado campeão dos últimos anos.

Em números colhidos até o GP da Áustria de 2016, Kimi Räikkönen ostenta um título mundial (2007), 20 vitórias, 16 pole positions, 42 melhores voltas e 84 pódios (incluindo suas 20 vitórias). Currículo de um piloto competente, com algumas pequenas falhas, mas que jamais pode ter seu talento questionado. Porém, dos campeões da era pós Schumacher (2007-atualidade), Kimi certamente é o mais desmerecido. Até Jenson Button, que muitos consideram um campeão “por acaso”, por ter um carro deveras melhor que o de seus concorrentes em 2009, é mais respeitado e valorizado que o finlandês.

Räikkönen foi campeão em um ano que houve diversas polêmicas extra-pista envolvendo a McLaren, que contava com o então bicampeão mundial Fernando Alonso e com o novato Lewis Hamilton. Os pilotos protagonizaram a talvez mais feroz rixa de companheiros de equipe da era pós-Senna. Essas polêmicas extra-pista, que envolviam espionagem na Ferrari (equipe que Kimi corria na época) fizeram com que a McLaren perdesse todos os pontos do mundial de construtores, sem alteração no resultado de seus pilotos.

A Ferrari tinha Räikkönen como um piloto que pouco fez na primeira metade do ano, mas que a partir do GP da França passou a aproveitar qualquer oportunidade de vencer: o finlandês venceu mais corridas, fez mais pontos e conquistou mais pódios que os demais, o que deu a ele o título. Entretanto, o erro que tirou o título de Lewis Hamilton no GP do Brasil é até hoje questionado por alguns especialistas: acreditam que Lewis tenha errado de propósito ou sido induzido ao erro, para que a imagem do mundial não ficasse ainda mais manchada.

É inegável que Kimi fez uma temporada para lá de sem graça em 2008 e 2009, o que o afastou da Fórmula 1 por dois anos: o finlandês preferiu se dedicar ao WRC (Campeonato Mundial de Rali, em tradução para o português), mas os diversos acidentes sofridos pelo piloto fizeram com que ele encerrasse suas pretensões de ser piloto de rali.

Raikkonen 2012
Räikkönen comemora sua épica vitória no GP de Abu Dhabi de 2012: talvez o grande momento de sua carreira.

Quando a Lotus anunciou a volta de Räikkönen para a Fórmula 1, muito se especulou sobre qual seria o desempenho do finlandês. Não havia meio termo: para uns ele seria brilhante, para outros, catastrófico. Os que apostaram que ele seria brilhante (entre os quais me incluo) acertaram: a temporada de Kimi foi consistente (o piloto lutou pelo título até a penúltima corrida) e recebeu alguns contornos engraçados, como a famosa frase “Me deixe em paz, eu sei o que estou fazendo!” para seu engenheiro no GP de Abu Dhabi de 2012. Ele sabia e venceu a corrida.

Em 2013, mais uma temporada consistente. Abriu o ano vencendo o GP da Austrália e subiu ao pódio outras sete vezes. Um problema de coluna o afastou dos dois últimos GPs da temporada (Estados Unidos e Brasil) e Kimi concluiu o campeonato em quinto lugar e assinou um contrato para voltar à Ferrari.

GP BAHRAIN F1/2015
Segundo colocado, Räikkönen ergue seu troféu no GP do Bahrein de 2016.

O retorno de Kimi à Ferrari não está sendo tão memorável. Em sua terceira temporada com o time de Maranello, subiu sete vezes ao pódio: superado facilmente por Fernando Alonso em 2014 e por Sebastian Vettel em 2015, em 2016 está sendo mais duro: após nove corridas, Vettel e Kimi estão empatados com 96 pontos, com o critério de desempate pendendo a favor do alemão (Sebastian em 3º, Räikkönen em 4º).

Dizer que Räikkönen é um campeão “pouco talentoso” é absurdo. Não existem campeões pouco talentosos. Existem campeões melhores do que outros. O finlandês, que é o piloto mais velho do grid hoje, soube lutar de igual para igual contra Fernando Alonso com um carro inferior em 2005 e soube superar o mesmo Alonso e Lewis Hamilton dois anos depois também com um carro ligeiramente inferior.

O estilo blasé do finlandês é tratado pela mídia sem a menor coerência: em 2012, quando Räikkönen estava brilhando, era divertido e mostrava sua leveza em lidar com as situações, como em um treino livre em que o piloto rodou e deixou o motor de seu carro morrer: ao chegar aos boxes, foi perguntado por alguns jornalistas o que havia acontecido. Sem rodeios, respondeu apenas que havia rodado.

Quando o finlandês não está brilhando ou não atendendo ao que a mídia espera, o estilo é criticado e “demonstra sua apatia na pista e nas questões internas da equipe”. Até hoje, nenhuma equipe questionou isso. Aliás, para a grande maioria das escuderias, um piloto que fala pouco e pilota muito é valiosíssimo (Michael Schumacher, por exemplo).

Há cinco campeões em atividade na Fórmula 1 atualmente: Sebastian Vettel (quatro títulos), Lewis Hamilton (três), Fernando Alonso (dois), Jenson Button e Kimi Räikkönen (um título para cada um). Nenhum desses pilotos merece ter seu talento questionado. Ninguém vence um campeonato por acaso: se venceu porque seus concorrentes erraram, foi  campeão porque estava na posição certa do campeonato. Se venceu porque seu carro era superior, foi campeão porque o chefe de equipe confia em seu trabalho.

Aquecer e arrefecer

Motor Racing - Formula One Testing - Test Two - Day 2 -  Barcelona, Spain
Sergio Pérez quase se afundou após uma péssima temporada na Mclaren em 2013. Passados três anos, o mexicano hoje é um dos principais destaques da temporada 2016.

No final de 2009, quando foi anunciado o nome do jovem alemão Nico Hülkenberg para ser companheiro de Rubens Barrichello na Williams em 2010, a grande maioria dos fãs, mais uma vez, trataram de fazer piadas e desmerecer do brasileiro. Hülkenberg tinha sido campeão da GP2 em 2009 e trazia à equipe inglesa e aos fãs a certeza de que seria ele o responsável por acabar com a carreira de Rubens na Fórmula 1.

O que aconteceu não foi bem isso: apesar de uma surpreendente pole position, conquistada no GP do Brasil, o 2010 de Hülkenberg foi magro de resultados: 22 pontos, contra 47 de seu companheiro de equipe, que conquistou resultados sólidos e pontos constantes.

Quando a Sauber, ainda batizada de BMW Sauber (já sem nenhuma ligação com a montadora alemã), anunciou o nome de Sergio Pérez, então vice líder da GP2 para pilotar um dos carros ao lado de Kamui Kobayashi em 2011, ninguém se importou muito. Para os blogueiros de automobilismo (entre os quais me incluo), jornalistas e especialistas tinham a certeza de que o mexicano seria apenas mais um piloto pagante, dos muitos que vimos passar na Fórmula 1.

Passados seis anos, a situação de cada um desses pilotos é completamente diferente: Pérez, após quase sair da Fórmula 1 após uma desastrosa temporada na McLaren em 2013, é considerado o grande destaque da temporada 2016. Hülkenberg, que era o queridinho das equipes médias, é um piloto já em decadência.

As mudanças comportamentais em Pérez podem ser justificadas por dois fatores principais: ter recebido uma segunda chance em um time decente (a Force India pode não ser um time de ponta, mas é uma equipe bem estruturada e capaz de proporcionar resultados notórios aos seus pilotos) e o fato de ter dois patrocinadores de peso (a TELMEX, gigante das telecomunicações do magnata Carlos Slim e a operadora Claro).

Já para Hülkenberg, o que pode ser observado como fator determinante para mudar seu comportamento é o fato de nunca ter sido procurado por uma equipe de ponta na Fórmula 1. A Force India parece ser seu lugar cativo. E em 2015 o alemão venceu as 24 horas de Le Mans com a Porsche, o que poderia ser um tremendo atrativo para as grandes equipes da Fórmula 1.

Se Pérez aqueceu, Hülkenberg arrefeceu. Se o mexicano, que aos 26 anos agora é visto como um piloto maduro e pronto para as equipes grande, o alemão hoje é tido pelos especialistas como um “nunca foi”. E essa comparação, por mais que pareça injusta, é verdadeira: Nico jamais subiu ao pódio, sequer foi cogitado para uma vaga em uma equipe grande (a Ferrari poderia ter escolhido seu nome quando decidiu tirar Felipe Massa, a Williams nunca voltou a se interessar por ele depois de 2010, a McLaren nem chegou a colocar o nome de Hülkenberg na lista de interesses para tocar o projeto de parceria com a Honda).

Motor Racing - Formula One World Championship - Australian Grand Prix - Practice Day - Melbourne, Australia
Nico Hülkenberg é o piloto mais desmotivado da Fórmula 1 atual. A desmotivação está comprometendo seriamente seus resultados.

Desvalorizar Hülk e afirmar que ele “não guia nada” são atitudes típicas de quem não entende nada de Fórmula 1. Nenhum piloto consegue se manter na Fórmula 1 por tanto sem tempo sem guiar bem. Porém, ser “o cara das equipes médias” é bom para um piloto que está ganhando experiência, não para um campeão das 24 horas de Le Mans.

No final de 2012, quando o alemão deixou a Force India para correr na Sauber, muitos pensaram que a nova equipe seria seu “trampolim” para as grandes equipes, como ocorreu com Felipe Massa (passou os primeiros anos de sua carreira na equipe para depois correr na Ferrari) e com Giancarlo Fisichella (que foi companheiro de Massa na escuderia suíça e em 2005 se tornou piloto da Renault). Isso aconteceria se a Sauber de 2013 fosse um time bem estruturado (como era o do começo da década de 2000).

A realidade da Sauber em 2013 era outra: tratava-se de um time cambaleante, que precisava de dinheiro a qualquer custo. Ao final daquele ano, o time viu que os patrocínios trazidos por Adrian Sutil eram mais importantes que o talento de Hülkenberg, que por pouco não ficou a pé.

Todas as equipes já estavam com sua dupla de pilotos montada. O destino de Hülk foi voltar à Force India, mas havia a certeza de que ele seria chamado para alguma equipe grande em 2015. Não foi. Está até hoje na esquadra indiana, agora sendo superado facilmente por seu companheiro de equipe.

Nico ainda tem contrato para 2017. Até lá, é possível que o desempenho do piloto mude. Se não mudar e se nenhuma equipe se interessar por ele, é bem capaz que ele mande a Fórmula 1 às favas e vá se dedicar a outra categoria, onde seu sucesso será justamente reconhecido.

 

Halo: solução ou problema?

McLaren Alonso
Fernando Alonso sofreu um acidente impressionante no GP da Austrália de 2016 e saiu ileso. O Halo realmente faria tanta diferença para o esporte a motor?

As mortes de Jules Bianchi e Justin Wilson, que ocorreram entre julho e agosto de 2015, trouxeram uma nova discussão para o esporte a motor: os pilotos precisariam de uma proteção para a cabeça? Os debates têm sido constantes e muito acalorados. Nico Hülkenberg, campeão das 24 horas de Le Mans em 2015 e piloto da Force India na Fórmula 1, é contrário à ideia. Mais ponderado, Mark Webber entende os argumentos favoráveis e contrários à adoção de um sistema de segurança para a cabeça dos pilotos, mas frisa que será necessário um tempo de adaptação para que a ideia seja aprovada.

No GP da Austrália de 2016, Fernando Alonso sofreu um acidente assustador, como bem mostra a imagem. Após três capotagens e um carro inteiramente destruído, a única dor que Alonso sentiu foi nas pernas, mas saiu caminhando tranquilamente. Se o Halo (nome da proteção de cabeça para o piloto) estivesse presente no carro, a saída de Fernando do bólido destruído seria muito mais difícil.

Justin Wilson Morre
Justin Wilson morreu em um acidente na etapa de Pocono da Fórmula Indy em 2015: a base do acidente de Wilson pode servir para qualquer caso?

A morte de Justin Wilson foi traumática não só para a Fórmula Indy, mas para o automobilismo em geral. Após ter sido acertado na cabeça por um pedaço do carro de Sage Karam, Wilson durou mais 24 horas e morreu. Desde então, sugestões de proteções para o piloto tem sido muito comuns.

A pergunta que não quer calar é: o acidente que matou Wilson pode servir de base para qualquer acidente, letal ou não? É fato: vários pilotos foram salvos por acessórios de segurança como o HANS (suporte para cabeça e pescoço), mas em casos de incêndio (em que o Halo seria um empecilho, não uma solução) ou em acidentes como o que vitimou Ayrton Senna (em que a proteção não faria diferença) o Halo não teria utilidade.

Um tema que poucas pessoas abordaram: o Halo é feito de fibra de carbono, exatamente o mesmo material utilizado na confecção dos carros. Essa fibra, ao sofrer um choque, se quebra. É praticamente impossível determinar a força com que o pedaço do carro de Sage Karam atingiu o capacete de Wilson, mas nesse caso essa proteção faria a diferença e manteria o piloto vivo? O fragmento do bólido de Karam poderia quebrar o acessório, acertando a cabeça do piloto e matando-o do mesmo jeito. Previsões à parte, fica a dúvida da necessidade deste objeto.

Poucos pilotos viram essa proteção com bons olhos: Lewis Hamilton disse que é uma “bobagem”. Nico Hülkenberg foi categórico: deixa o carro horrível. Para muitos fãs e analistas automobilísticos, sugerir  o Halo seria a mesma coisa que um fã de futebol pedisse o fim de cadarços nas chuteiras para evitar que os jogadores tropeçassem e se lesionassem.

A morte de Jules Bianchi trouxe traumas à Fórmula 1: foi o 46º piloto a falecer durante um grande prêmio após um hiato que durava 21 anos. A morte de Bianchi, porém, não foi causada por uma falha no sistema de segurança no carro, mas por conta da existência de um trator em um local inadequado. Se o trator não estivesse naquele local e naquela hora, Jules teria acertado a barreira de pneus e provavelmente estaria vivo.

Muitos pilotos sofreram acidentes muito parecidos com o de Bianchi no final da década de 2000 e saíram vivos: Lewis Hamilton (treino classificatório do GP da Alemanha de 2007) e Heikki Kovalainen (GP da Espanha de 2008) acertaram em cheio a barreira de pneus e nada sofreram. Foi o impacto sobre a pesadíssima estrutura metálica de um trator que matou Jules Bianchi, não a ausência de uma proteção para a cabeça do piloto.

Senna Death
Ayrton Senna morreu ao ser acertado na cabeça pela coluna de direção de seu Williams FW16. Nesse caso, a presença do Halo não faria diferença.

Antes de Jules Bianchi, o último piloto a morrer na Fórmula 1 fora Ayrton Senna, em 1º de maio de 1994. Como todos sabem, Senna morreu após ter a cabeça acertada pela coluna de direção de seu Williams. Ela acertou e perfurou o capacete e a cabeça do piloto, que sofreu perda de massa encefálica e morreu aproximadamente quatro horas depois do acidente.

Se o Halo existisse, Senna teria morrido do mesmo jeito. A coluna de direção não seria impedida pela proteção. Em resumo: não faria falta, e ainda prejudicaria o acesso dos médicos ao piloto que estava semimorto.

Vale lembrar que alguns dos acidentes fatais da Fórmula 1 ocorreram por conta de ferimentos na cabeça. Dando alguns exemplos, além de Senna, chegamos à François Cevert (degolado pelo guard-rail nos treinos classificatórios para o GP dos Estados Unidos de 1973), Helmuth Koinigg (morreu decapitado nos treinos classificatórios para o GP dos Estados Unidos de 1974), Mark Donohue (morto após ter a cabeça atingida por um poste nos treinos livres para o GP da Áustria de 1975), Tom Pryce (morreu logo após ser atingido por um extintor de incêndio na cabeça no GP da África do Sul de 1977) e Roland Ratzenberger (sofreu fraturas múltiplas no pescoço e na cabeça após chocar-se na curva Villeneuve em Ímola, um dia antes de Senna morrer). Foi umas das principais causas de mortes na Fórmula 1, estando muito próxima a ferimentos causados por incêndios, também muito comuns na Fórmula 1.

Pode-se dizer que Cevert e Koinigg poderiam ter sido salvos caso existisse uma peça como o Halo. Donohue, Pryce e Ratzenberger não teriam essa mesma sorte. Os dois primeiros porque a força aplicada no acessório de proteção seria altíssima, destruíria-o e certamente iria ferir o piloto. No caso de Ratzenberger, não faria diferença, pois o que matou o piloto foi o “sacolejo” do carro após o acidente.

Halo
Kimi Räikkönen e Sebastian Vettel levaram o Halo à pista: sim, o troço ficou esquisitíssimo.

A Ferrari foi a única equipe que testou o Halo nos testes de inverno, realizados em Barcelona. Kimi Räikkönen foi o primeiro a testar. Com a falta de entusiasmo de sempre, o finlandês disse que testar o equipamento foi “legal”. Sebastian Vettel também testou, mas não teceu maiores comentários.

As opiniões quanto ao Halo mostraram que poucos querem uma proteção para cabeça. Quase todos os pilotos se posicionaram de maneira contrária. A adoção desse sistema de proteção está inclusa no pacote de mudanças que a FIA traz para a Fórmula 1 em 2017. Vários pilotos disseram ser contrários. Pode ser uma boa oportunidade para que estes, tão submissos, possam demonstrar seu descontentamento com os rumos absurdos que a categoria tem tomado.

 

Talentos em perigo

Kvyat e Ricciardo
Daniil Kvyat e Daniel Ricciardo: o talento indiscutível de cada um resistirá ao empenho, arrojo e engajamento dos pilotos da Toro Rosso?

Desde que se envolveu no mundo do automobilismo, a Red Bull sempre teve um programa de jovens pilotos, com o objetivo de levar alguns deles para a Fórmula 1. Claro que a seleção tem de ter algum rigor: os pilotos têm de apresentar serviço nas categorias de base e na Toro Rosso, que foi uma equipe criada por Dietrich Mateschitz (co-fundador da Red Bull) e Gerhard Berger, ex piloto de Fórmula 1. A equipe existe justamente para colocar os jovens em uma espécie de vestibular: foi bem, vai para a Red Bull. Foi mal, vai para a rua da amargura.

O rigor da equipe, porém, era absurdo. Não à toa, apenas três dos nove pilotos que passaram pela Toro Rosso (sem contar a dupla atual) foram promovidos. Sebastian Vettel, o primeiro deles, virou o modelo para a irmã mais pobre da Red Bull. Após vencer um GP com o carro da escuderia em 2008, o piloto fora promovido e era tido como Deus. Daniel Ricciardo e Daniil Kvyat não impressionaram tanto quanto Vettel, mas fizeram um trabalho consistente que deu a eles a honra de pilotar um carro da equipe principal.

Em 2015, os dois passaram o ano tendo uma dificuldade tremenda para fazer um bom campeonato. Kvyat chegou na frente, em sétimo, marcando 95 pontos. Ricciardo veio logo atrás, com 92. Resultados fracos para uma equipe que estava acostumada a anotar quase 600 tentos em uma única temporada. Esses quase 600 se transformaram em 187 em 2015. Era uma queda que a Red Bull não estava esperando.

A culpa não foi dos pilotos. Com um motor sofrível, um regulamento desfavorável e enorme azar de ver todas as suas concorrentes diretas em 2014 (Mercedes, Ferrari e Williams) voarem na frente da equipe dos touros vermelhos, o fracasso foi evidente. E a alternativa foi correr com um motor Renault sem marca com o nome de Tag Heuer, a mais nova patrocinadora da equipe.

O que será da Red Bull em 2016 ninguém sabe. As análises para a equipe neste blog ocorrerão em 20 de março, data da primeira etapa do campeonato da Fórmula 1. Enquanto isso, são possíveis apenas algumas conjecturas.

Verstappen e Sainz
Carlos Sainz e Max Verstappen são jovens, comprometidos, inteligentes e focados: em resumo, tudo o que a Red Bull precisa. 

Enquanto Kvyat e Ricciardo comiam o pão que o diabo amassou na equipe principal, Carlos Sainz Jr. e Max Verstappen brilhavam nos carros da Toro Rosso. Verstappen mostrou um talento fora de série, conquistado dois brilhantes quartos lugares nos GPs da Hungria e dos Estados Unidos. Sainz demonstrou bastante talento, mas teve um azar do tamanho do planeta. Os sete abandonos sofridos por ele em 2015 foram todos decorrentes de problemas técnicos, nunca por culpa dele.

Inegavelmente, é a dupla mais talentosa que a Toro Rosso já trouxe para a Fórmula 1. A equipe tem em mãos os pilotos mais centrados que já viram: Sainz e Verstappen já declararam não ter tempo nem para namorar, tamanha a responsabilidade que a profissão envolve para cada um deles.

Em janeiro de 2016, Sainz deu uma entrevista na qual declarava que poucos o reconhecem nas ruas de Londres (cidade onde ele mora) e que só faz uma coisa na vida: testar no simulador. Verstappen, apesar da pouca idade, demonstra-se um piloto seguro, capaz e extremamente rápido.

Comparar cada um dos jovens pilotos com seus pais é inevitável, principalmente no caso de Sainz: tendo como pai um piloto que foi bicampeão de rali, é difícil não querer saber quem é melhor. No caso de Verstappen, a resposta é óbvia: o filho é melhor que o pai em muitos aspectos: temperamento, talento e facilidade de se trabalhar.

A Red Bull, como bem se conhece, não é uma equipe paciente. Se Ricciardo e Kvyat, por mais que sejam bons pilotos, comecem a desandar (ainda que a culpa seja de um carro ruim), os dois terão o mesmo destino: a porta da rua. Apesar de terem mostrado serviço com o limitadíssimo RB11, Daniel e Daniil estão ameaçados pelo talento dos jovens da Toro Rosso.

Vettel Red Bull
Sem Sebastian Vettel, a Red Bull se perdeu completamente. Conseguirá se reencontrar?

Com o regulamento que vigora desde 2014, a Red Bull foi uma das equipes mais prejudicadas. Ainda assim, conseguiu três vitórias com Daniel Ricciardo, enquanto Vettel estava sem paciência e fez questão de se mudar para a Ferrari. Estando ele bem ou mal no campeonato, sempre é alentador para uma equipe ter uma tetracampeão mundial. Bastou Sebastian sair que a parrilla começou a desandar.

Os sorrisos constantes, as brincadeiras com os pontos fracos das equipes rivais e um marketing totalmente voltado para um estilo novo de se fazer automobilismo ficou para trás. Quem esteve no paddock da Fórmula 1 nos anos dourados da equipe (2010-2013) sabe que o clima parecia de uma equipe dos anos 1970: os mecânicos trabalhavam alegres, ouvindo música e conversando. Hoje, o clima de tensão fica evidente.

Para o lugar de Vettel, a escolha por Kvyat foi evidente. Mas o que o russo não imaginava era que a Toro Rosso poderia fazer com que ele brilhasse mais do que a equipe principal. Totalmente sem rumo, a Red Bull criticava diuturnamente os motores da Renault, o que levou ao divórcio entre a equipe e a fabricante de motores.

Sem Vettel, sem perspectivas boas para 2016 e com a possibilidade de ver Carlos Sainz Jr. e Max Verstappen brilharem muito mais que seus pilotos principais, qual é a grande expectativa da Red Bull? Provavelmente, se reerguer e conseguir reconstruir a reputação de equipe grande. Hoje, sendo a quarta força do campeonato, a esquadra de Milton Keynes é vista mais como provável caça da Force India (quinta colocada em 2015) do que como caçadora da Williams (terceira melhor equipe no certame de 2015).

Nunca poderia se imaginar que a grande ameaça à Red Bull seria sua irmã mais nova. Que os quatro pilotos apoiados pela marca de energéticos são candidatos a títulos a médio e longo prazo, não há dúvidas. Mas a equipe terá de ralar bastante para reverter essa desvantagem.

Fiascos ianques

A Haas Formula 1 Team estreará na Fórmula 1 em 2016, sendo a primeira escuderia estadunidense na categoria desde 1986, quando o fracassado projeto da Lola-Haas (uma equipe fundada por Teddy Mayer e por Carl Haas, que era dono da Newman/Haas da Fórmula Indy e nada tem a ver com Gene Haas, dono da equipe atual da Fórmula 1). A última equipe estadunidense a se candidatar a uma vaga na Fórmula 1 foi a USF1, em 2010. Veja a seguir alguns exemplos de equipes made in America que fracassaram em suas tentativas de se dar bem na Fórmula 1.

Penske (1974-1977)

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John Watson com sua Penske em 1976; o piloto sempre foi bom, mas o carro não era lá essas coisas.

Dono de uma bem sucedida equipe de Fórmula Indy, Roger Penske se arriscou na Fórmula 1 no meio da década de 1970. John Watson, um piloto de talento maior que suas cinco vitórias na Fórmula 1, foi o fiel piloto da equipe estadunidense. Já consagrada no espaço automobilístico norte-americano, a Penske prometia muito, principalmente a médio e longo prazo. Havia quem dissesse que a equipe poderia desafiar Ferrari e McLaren.

Respeitado piloto estadunidense, Mark Donohue fora o escolhido pela Penske para liderar o ambicioso projeto de ficar na Fórmula 1. Piloto muito inteligente, ele entendia muito do carro. Era formado em Engenharia Mecânica. Chamou a atenção de Roger Penske, que se encantou com o estilo de pilotagem do piloto.

Com uma carreira brilhante, Donohue venceu as 500 milhas de Indianápolis em 1972, sendo campeão da Can Am no mesmo ano, com um Porsche 917. Estreara na Fórmula 1 em 1971, sempre com Roger Penske ao seu lado. Ao fim de 1973, ele se retirou do automobilismo, mas fora confirmado como piloto da Penske na Fórmula 1 já para 1974.

Como a equipe era uma estreante, constavam erros no carro, que levaram Donohue a não marcar pontos com a equipe. O ano de 1975, que parecia promissor para a Penske, não foi bom. Mark só foi marcar pontos com a equipe na sétima corrida do ano, na Suécia. Na Inglaterra, foi quinto e marcou mais dois pontos.

Na corrida seguinte, na Áustria, Donohue sofreu um grave acidente no Warm-up. Aparentemente sem sofrer nada, o piloto foi levado ao hospital por precaução. Sentiu fortes dores na cabeça no trajeto para o hospital, onde fora descoberta uma hemorragia cerebral. Donohue morreu dois dias depois.

O escolhido para substituí-lo foi o bom John Watson. Na Fórmula 1 desde 1973, Watson era a melhor opção para substituir Donohue. Após um 1975 magro de resultados, John venceu a décima primeira etapa do campeonato de 1976. Conseguiu outros dois pódios e fora sétimo colocado no campeonato.

Se em 1976 a equipe foi um pouco melhor, a temporada de 1977 passou em branco. Um segundo lugar, um quinto e um sexto foram os resultados obtidos por John Watson ao longo do ano. Após quatro temporadas gastando dinheiro à toa, a equipe jogou a toalha e abandonou a Fórmula 1.

Parnelli (1974-1976)

Parnelli Mario Andretti
Um dos mais completos e competentes pilotos da história, Mario Andretti sofreu com o deficiente carro da equipe de Parnelli Jones.

Campeão das 500 milhas de Indianápolis de 1963, Parnelli Jones foi outro piloto que tentou colocar sua equipe no velho continente. A tentativa era ambiciosa: tirou Mario Andretti da Ferrari e colocou-o em sua equipe. Mal sabia Andretti que o carro era um horror.

Sem muitos resultados com a Ferrari, Mario fora dispensado no fim de 1972 e passou um 1973 sabático. Foi quando Parnelli convidou-o para integrar sua equipe em 1974. A esquadra só estreou na 14ª corrida do ano, realizada em Mosport Park, no Canadá. O sétimo lugar não foi frustrante para uma equipe que fizera sua primeira corrida. Faltava só um grande prêmio para o fim da temporada: no caso, o dos Estados Unidos, que seria disputado em Watkins Glen. Andretti fora desclassificado por ter recebido ajuda externa da equipe com apenas quatro voltas de prova.

Para 1975, Parnelli Jones decidiu manter Andretti na equipe. Os resultados foram um pouco melhores. Mas o “um pouco melhores” a que me refiro foram um quarto e um quinto lugar, totalizando cinco pontos. Muito pouco para uma equipe cujo dono era um ex-piloto respeitado e competente, e pouquíssimo para um piloto cujo talento é inquestionável.

Em 1976, Mario Andretti alternou participações com a Parnelli (duas) com a Lotus (as restantes do campeonato. O sexto lugar conquistado na África do Sul deu à equipe seu último ponto na Fórmula 1. Após a saída da Parnelli, logo após o GP do Oeste Estadunidense, Mario fez uma boa temporada, vencendo o GP do Japão, última etapa do ano. Fora campeão mundial em 1978 e finalizou sua carreira na Fórmula 1 em 1982, com 12 vitórias.

Shadow (1973-1980)

Shadow
Jean Pierre Jarier acelera sua Shadow; equipe com carros bacanas, mas que só teve uma vitória.

Esta equipe está aqui meio de intrusa. Embora tenha nascido nos EUA, foi comprada por um empresário inglês no meio de sua trajetória. Foram oito temporadas na Fórmula 1, uma vitória, sete pódios e foi a equipe que viveu um dos acidentes mais horripilantes da história da categoria.

O piloto que mais rodou com um carro da Shadow foi o francês Jean Pierre Jarier, talentoso, mas que nunca venceu um grande prêmio. Entre os 21 pilotos que competiram pela equipe, apenas três estadunidenses: Danny Ongais, Mike Wilds e George Follmer. A única vitória da equipe foi conquistada em 1977 por Alan Jones.

O acidente horripilante ocorreu no mesmo ano da única vitória da escuderia na Fórmula 1: no GP da África do Sul, o italiano Renzo Zorzi teve um problema com seu carro e abandonou o GP, quando dois fiscais de pista atravessaram o traçado correndo para socorrer Zorzi, que era companheiro de equipe de Shadow de Tom Pryce. Um deles conseguiu escapar, mas Pryce atropelou violentamente o outro, que morreu instantaneamente. O atropelado levava um extintor de incêndio, para apagar as chamas do carro de Zorzi.

O extintor atingiu violentamente a cabeça de Tom, que morreu instantaneamente. O piloto ainda bateu no muro: estava acelerando, mas já sem vida. Foi um dos piores acidentes que a Fórmula 1 viveu.

Após sua única vitória, a Shadow viveu com resultados pobres até 1980, quando os baixos desempenhos do sueco Stefan Johansson (grande piloto, mas que tinha um péssimo carro) levaram a equipe à falência.

USF1 (2010)

USF1
Uma ilustração feita por computador: foi a única imagem do pré-carro da USF1. 

 

Comandada pelo jornalista Peter Windsor, que entrevistava os três primeiros colocados dos treinos e das corridas de Fórmula 1, a USF1 foi um projeto que frustrou muita gente. A imagem feita por computador, que mostra um carro horrível, na qual as tentativas de ilustrar os símbolos dos EUA falharam grosseiramente, é a única foto do pré carro da USF1.

Em meados de 2009, com a FIA (Federação Internacional do Automobilismo) e a FOTA (Associação de Equipes de Fórmula 1) brigando feio e uma ameaça de divisão da categoria, quatro equipes anunciaram sua entrada na Fórmula 1: Manor, Campos, USF1, Lotus e Qadback. Haveriam milhões de histórias para se contar a respeito de cada uma das equipes, mas vamos nos ater à USF1: literalmente perdida, em janeiro de 2010 foi anunciado o nome do argentino José María López para piloto titular. As únicas vagas que restavam eram as da equipe ianque.

Após contratar os funcionários, a equipe percebeu que não tinha estrutura para correr na Fórmula 1. Assim acabou o projeto da USF1.

 

 

 

 

É tradição e o samba continua…

Vai Vai Forte Conceito
Vista aérea da ala Forte Conceito, pela qual desfilei no Carnaval de 2016. A Vai Vai fora quarta colocada no Carnaval paulistano.

Muitos leitores irão se surpreender com este post. Nunca falei de Carnaval aqui no blog. Mas trata-se de uma experiência nova, mas que viverei por todos os anos da vida, não importa como. A Vai Vai, escola de samba mais premiada da cidade, é a minha escola. E será até o fim.

Nunca fui muito chegado em Carnaval. Eu bem que tentava ficar acordado até as tantas da noite para assistir os desfiles, mas o sono me vencia sempre. Mas eu tinha minha escola do coração: a Mocidade Alegre. O vermelho e branco era fascinante para mim, que vi o tricampeonato (2012, 2013, 2014) e tinha a escola como minha favorita. No Rio, o branco e azul da Portela me encantava, apesar da distância natural (nasci e moro em São Paulo). Mas foi a Vai Vai a escola que me proporcionou a honra do primeiro desfile. E que irá proporcionar essa alegria para sempre.

Comecei a vivenciar o Carnaval aproximadamente em julho de 2015. Aluno de uma academia na zona norte, fiz uma aula de jump totalmente por acaso e virei amigo do professor Robson Bernardino. Enquanto isso, minha mãe fez amizade com Leandrinho Amêndola, diretor do barracão de fantasias da Vai Vai.

Sendo à época um amigo superficial de Robson, não sabia quem ele era. Mais para frente, fui descobrir que a Comissão de Frente da Águia de Ouro era coreografada por ele. Conversamos, e ele me deu alguns detalhes sobre o desfile e sobre a escola. O tema “Ave Maria Cheia de Faces” encantou-me imediatamente. Eu, que nunca tinha desfilado, tomei minha decisão: em 2016, eu desfilaria pela Águia de Ouro.

Minha história com o Carnaval era completamente diferente da história de minha minha mãe. Ela sempre teve paixão pelo samba da Vai Vai. Eu nunca tinha desfilado e não tinha relação com nenhuma escola. Minha simpatia pela Mocidade era totalmente superficial.

Enquanto isso, minha mãe decidiu que desfilaria pela Vai Vai. Achei até engraçada a hipótese de ser rival de minha própria mãe. Aos poucos, fui me aproximando do Bixiga (bairro da Vai Vai). Até que fui à quadra (na verdade, desfilamos na rua) da Vai Vai e me apaixonei pela escola. O tema, que era a França, era muito menos empolgante que o da Águia de Ouro, que tinha uma pitada de transgressor, de desafiador e de corajoso. Mas a bateria da Vai Vai era maravilhosa. Conduzida pelo velho Mestre Tadeu, que em 2015 completou 43 anos de Vai Vai, foi ela quem me convenceu a deixar de desfilar pela Águia de Ouro.

Escolhida minha fantasia, meu trabalho era ensaiar, estudar o samba e treinar a questão que estava ao meu alcance, no caso a harmonia. Aí você se pergunta: mas o que aconteceu com o Robson? Sua desistência de desfilar pela escola tornou vocês inimigos? Não. Fortaleceu a amizade. As piadinhas e tirações de sarro (como um palmeirense doente e um corintiano roxo) viraram constantes. As discussões nunca evoluíram para briga: nenhum dos dois estavam ali brigando por causa de PT ou PSDB, Corinthians ou Palmeiras ou Bolacha ou Biscoito. Eram apenas brincadeiras, sem limite em número e respeito.

Enquanto as brincadeiras rolavam, fui ficando cada vez mais fã de Sueli de Souza, minha chefe de ala. O bom humor e o sorriso fácil faziam parecer que ela era feita de açúcar, tamanha sua doçura, humildade e bondade. Ao lado dela, a engraçada Merci, que estava sempre ajudando no que fosse preciso.

Dois ensaios técnicos (no sambódromo), uma penca de ensaios na rua, milhares de vezes escutando o samba. Para alguns, pode ser uma tarefa muito chata. Não era nada divertido esperar três horas para ensaiar e sair do sambódromo às três da manhã. Mas como não se apaixonar por uma escola que tem 15 títulos e nunca perdeu a tradição?

Quando chegava mais perto do desfile, sentia a responsabilidade aumentando. Não foi fácil corrigir alguns pontos (treinei sozinho em algumas tardes de sábado, enquanto minha mãe trabalhava em um centro espírita). Sorrir, cantar, sambar e mexer com a arquibancada não era fácil para um estreante. Mas era a minha responsabilidade.

Fui assistir o primeiro dia de desfiles, para assistir e apoiar Robson em sua comissão de frente. Executada quase à perfeição, tinha a certeza de que seria a Águia a grande dor de cabeça para a Vai Vai na disputa pelo título. Assisti também o desfile bonito, mas pouco empolgante da Rosas de Ouro, que falava sobre a história da tatuagem, à performance medíocre da Nenê de Vila Matilde, que homenageou Cláudia Raia, e ao belíssimo desfile da Unidos de Vila Maria, que, apesar de fantasias pobres, empolgou a avenida.

No dia do meu desfile, cometi uma loucura e decidi ir à academia. Mesmo após ter ido dormir às 6:30 da manhã. Fui aconselhado por um professor a pegar leve: à noite eu tinha uma enorme responsabilidade. Quando cheguei ao hotel Holiday Inn (ao lado do sambódromo), onde pernoitei no dia do meu desfile, fui direto para a piscina: precisava relaxar. Após um jantar tranquilo no Bar DuHotel (nome do estabelecimento), descansei um pouco e saímos, eu e minha mãe, para o desfile.

Marcado para as 02:50, um atraso de quarenta minutos fez com que a Vai Vai chegasse à avenida às 03:30. Mexer com a torcida foi emocionante. Isso me fez receber coraçõezinhos, algumas simulações de espirros de perfume (como nosso enredo era a França, era impossível não citá-lo), vários sorrisos e muitos joinhas de um dos integrantes da harmonia da escola.

Terminei o desfile cansado e com a cabeça estourando de dor, pois o chapéu que compunha a fantasia (o tema era EUROCOPA, em homenagem ao futebol francês) era pesadíssimo e muito apertado. Me esqueci da dor e do cansaço e berrei “EU TE AMO, SUELI!” assim que a encontrei. Foi no calor no momento? Não. Sueli é minha chefe de ala, e é impossível não idolatrá-la. Tenho a certeza de que ela é uma das pessoas mais adoráveis que eu já conheci.

Após um domingo de ressaca (apesar da ausência de bebida alcoólica) e uma segunda feira tranquila e agradável, veio o dia da apuração. Junto com ele, o nervosismo e a torcida desesperada. Meu desejo era vencer e ter a Águia de Ouro em segundo lugar. Após tantas tirações de sarro, ficar à frente da escola de Robson não era um desejo, era uma necessidade.

O título não foi da Vai Vai e o vice não foi da Águia. Instigando os mistérios da humanidade, a Império de Casa Verde venceu o Carnaval, seguida pela Acadêmicos do Tatuapé, que homenageou a escola carioca Beija Flor e pela Mocidade Alegre, que trouxe os 100 anos de samba para a avenida. A Vai Vai acabou em quarto. Homenageando Ilhabela, Unidos de Vila Maria fez um belo desfile e foi a quinta colocada. A Águia, apesar da beleza de seu desfile, foi apenas a oitava colocada.

Não levamos o título do Carnaval de 2016. O quarto lugar não foi empolgante, mas saio desta experiência renovado e apaixonado por minha escola de samba. Escolhido o samba, irei religiosamente aos ensaios de quinta à domingo. Não digo que escolherei minha fantasia: sou Forte Conceito, ao lado de Sueli, em todos os desfiles que viveremos nos próximos anos.

Não nos sentimos derrotados. Meus sinceros cumprimentos à Império de Casa Verde, que fez um bom desfile. Também parabenizo a Mancha Verde, campeã do Grupo de Acesso, bem como a Tom Maior, segunda colocada do mesmo grupo, por estarem conosco no Grupo Especial em 2017. Faço questão de desejar sucesso às duas organizações.

Lamento pela Pérola Negra, escola que assisti um pedaço do desfile na sexta feira. Levando a história da Vila Madalena à avenida, a escola teve alguns problemas que a rebaixou para o Grupo de Acesso. A X-9 Paulistana também recebe meus lamentos, por ter tido vários problemas ao homenagear Belém do Pará e o Açaí, dividindo com a Pérola a lanterna do Grupo Especial. Também cairá ao acesso em 2017.

A Vai Vai desfila sexta feira no dia das campeãs. Passado o desfile, todos os pensamentos estarão em 2017. Porque é tradição e o samba continua!

 

ANÁLISE: torcedor e ídolo

Torcedores invadem a pista do GP do Brasil 15 de novembro de 2015
Torcedores invadem a pista de Interlagos no GP do Brasil de 2015.

É difícil entender alguns torcedores, principalmente no Brasil. Aqui, em qualquer esporte, se o ídolo ganha, é um gênio. Se perde, é um fracassado que envergonha a nação. Tomando como exemplo uma Copa do Mundo: o jogador pode ter feito tudo certo durante todo o torneio, ter sido o motor do time para a final e esta vai para uma decisão de pênaltis: se aquele jogador que acertou em todos os momentos for escolhido como o último a chutar o último pênalti e errar, ele será condenado ao fracasso, aos xingamentos e às críticas constantes, desgastantes e excessivas.

O exemplo foi o futebol, mas com a Fórmula 1 acontece a mesma coisa. Atualmente, com a chegada das charges virtuais (vulgos memes), Rubens Barrichello voltou a ser motivo de piada. Em época de Natal, faziam charges como se ele estivesse desejando uma boa páscoa. E as piadas não acabam nunca. Isso acontece com Rubens porque ele não foi o novo Ayrton Senna.

Para o torcedor, pouco importa se o piloto (brasileiro ou não) venceu duas ou três corridas ou se ele venceu 11, como ocorreu com Barrichello. Pelo simples fato de não ter sido campeão, o piloto merece ser apedrejado. Não está certo, mas não tem como discutir com uma massa de torcedores.

Ayrton Senna
Se Ayrton Senna tivesse se levantado de seu Williams no GP de Ímola de 1994, como seria seu futuro?

Para o torcedor brasileiro, só existe um piloto que representou o Brasil à altura: Ayrton Senna. Tido por muitos pilotos da Fórmula 1 atual como o melhor que já passou pela categoria, há quem diga que Senna salvou o Brasil de uma fase péssima, que ele era a única coisa que prestava na nação tupiniquim.

Em momento algum a capacidade de Senna pode ser questionada. Piloto rápido, preciso, competente e muito capaz. Mas o sucesso dele e o fato de Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, que tem uma capacidade muito parecida com a de Senna, deve-se ao fato de que Ayrton foi campeão em uma época em que o futebol estava em baixa.

A fase péssima a que me referi foi justamente quando Senna foi campeão pela primeira vez, em 1988. Com o governo de José Sarney em declínio e uma inflação que chegava a 80% ao mês, era natural que o país que estava sem força no futebol virasse suas atenções para o esporte em que um brasileiro se destacava à época: era a Fórmula 1, com Ayrton Senna.

Senna morreu em maio de 1994, em um trágico acidente no GP de Ímola. A comoção foi enorme. O país parou a quarta feira, 4 de maio, para assistir ao adeus ao ídolo. A morte precoce, aos 34 anos, comoveu o país e o mundo. Mas é difícil imaginar como teria sido o resto da carreira de Ayrton.

A Williams tinha um carro que deu à Damon Hill a chance de lutar pelo título de 1994, mas Michael Schumacher tinha um carro superior. Se Senna tivesse vivido, o título de 1994 dificilmente seria dele, afinal, ele sairia de Ímola com uma desvantagem de 30 pontos para Schumacher.

Faço questão de ressaltar que detesto fazer teses baseado em fatos inexistentes. Mas algumas dúvidas pairam no ar: se a coluna de direção que atingiu a cabeça de Senna tivesse batido 15 cm para baixo ou para cima (frase do repórter da ESPN estadunidense em 1994 John Bisignano) e ele tivesse caminhado de volta para os boxes, o futuro seria completamente diferente. Mas e se Senna não fizesse um bom campeonato e tivesse perdido a batalha na Williams para Damon Hill? O público, que vê Ayrton como mito, respeitaria ele do mesmo jeito?

O torcedor muitas vezes é cruel. Embora muito abatidos pela morte do ídolo Senna, na fila do velório do piloto (sim, na fila do velório) as piadinhas já rolavam soltas. Se ao morrer, com a faixa de herói nacional, as piadinhas já existiam, e se ele tivesse ido mal e pagado mico no resto da carreira?

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Vencedor de onze corridas na Fórmula 1 e duas vezes vice-campeão, Rubens Barrichello pode ter todos os defeitos, mas não é um piloto ruim.

Senna, por sua imagem e pelas merecidas 41 vitórias que conquistou, hoje é um dos principais nomes da história esportiva do Brasil. Apenas Pelé teve um sucesso mundial comparável ao dele. Emerson Fittipaldi, que teve 14 vitórias, e Nelson Piquet, que conquistou 23, tiveram uma repercussão muito menor que a de Senna.

Quando Ayrton morreu, a expectativa do Brasil estava depositada em Rubens Barrichello. Ao apresentar baixos desempenhos em 1995, o brasileiro foi apedrejado pela torcida. Mesmo após nove vitórias e dois vices-campeonatos na Ferrari, a imagem de Barrichello só foi reconstruída em 2009, quando renasceu das cinzas e disputou o título, conquistando duas vitórias. O fato de ter sido o piloto que mais disputou grandes prêmios (326, recorde que permanece intacto) não serve de alento para o público. Para muitos, apesar da reconstrução da imagem, Barrichello foi o piloto que abriu mão de uma vitória para deixar o companheiro de equipe passar.

O torcedor brasileiro é um dos mais cruéis com seus pilotos. Para a grande maioria deles, só existe Ayrton Senna. A relação entre torcedor e ídolo é digna de estudos.

 

Melhor que o título

O tema do dia são campeões que fizeram um trabalho mais bonito em temporadas que perderam.

Ayrton Senna em 1993 (McLaren Ford Cosworth)

Ayrton Senna
Ayrton Senna em 1993: vice campeão e grandes atuações com a McLaren Ford.

Ayrton Senna começou 1993 com o pé esquerdo. Apesar do pódio na África do Sul, considerada uma das corridas mais chatas da Fórmula 1, ele não queria ficar na McLaren. O desempenho das Williams Renault era muito superior, e as chances de título dele eram pequenas, segundo ele.

A sorte de Ayrton começou a mudar no GP do Brasil, a corrida seguinte. Vencedor da corrida, pista invadida, liderança do campeonato. Estava melhor que encomenda. No GP seguinte, em Donington Park, ele ganhou com autoridade e fez a melhor corrida de sua vida. Largando em quarto, ele pressionou seus adversários de modo a assumir a liderança sem que o primeiro giro fosse completado. Foi uma atuação magistral, e a liderança só foi abandonada nas mãos de Alain Prost quando Senna estava nos boxes.

Após um abandono em San Marino, Ayrton voltou ao pódio na Espanha, sem a liderança do campeonato. Bastou chegar a Mônaco que o brasileiro voltou a puxar a tabela. No GP do Canadá, teve problemas no treino classificatório e largou em oitavo. Fez uma primeira volta magistral, concluindo-a em quarto. Ficou em segundo durante boa parte da prova, até que seu alternador quebrou. Prost assumiu a liderança do campeonato.

A metade da temporada 1993 foi negativa para Senna. Ele só voltou a vencer no GP do Japão, mas já era tarde para reagir. Prost já tinha sido tetracampeão. No GP da Austrália, última corrida da temporada, Senna venceu pela última vez na vida. E foi o último pódio de Prost na Fórmula 1. O que ninguém imaginava era que os dois maiores pilotos da história estavam no pódio pela última vez.

Muitos entendem que Senna fez uma temporada melhor em 1993 do que nos anos em que foi campeão (1988, 1990 e 1991) por não ter o melhor carro e por ter tido condições de lutar de igual para igual com Prost, que tinha um carro infinitamente melhor. Essa temporada poderia servir de exemplo para todos aqueles que fazem perguntam se é o carro ou piloto quem corre. Correm os dois. O conjunto que é vencedor.

Jenson Button em 2011

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Em 2011, Button foi o único piloto capaz de fazer frente ao foguete de Sebastian Vettel.

Quando foi campeão mundial, em 2009, Jenson Button trocou a Brawn GP pela McLaren. Muitos chamaram o piloto de louco. Lewis Hamilton, queridinho da equipe e a torcida britânica, seria seu companheiro. Mas uma virtude de Button que muitos esquecem: ele tem um preparo físico invejável e ele é capaz de massacrar companheiros tidos como mais fortes.

Em 2011, Sebastian Vettel não deu chances a ninguém. Não havia batalha pelo título, mas sim pelo vice campeonato. Button, Hamilton, Fernando Alonso e Mark Webber eram os candidatos. E Button foi o que se destacou mais. Há quem diga que uma conjuntura de problemas dos demais ajudou-o: Hamilton estava com a cabeça fora do lugar, Alonso tinha um carro péssimo e Webber tinha como principal defeito a deficiência em largadas. Em resumo: Button não teve nenhum dos problemas dos adversários e se destacou bem mais.

Pertence a Jenson Button a vitória do GP do Canadá daquele ano, o mais longo da história da Fórmula 1. Mesmo após uma punição por ter colidido com Hamilton, ele venceu com autoridade, e mesmo estando 60 pontos atrás de Vettel, jamais deixou de lutar pelo título. Não queria nem ouvir falar em jogar a toalha.

Venceu também o GP da Hungria e o do Japão. Em 18 corridas, fez 11 pódios e a expectativa para o ano seguinte era de título. Não deu para ele, mas poucos duvidam que 2011 foi a melhor temporada de Jenson.

Fernando Alonso em 2008

Alonso 2008
Fernando Alonso voltou à Renault em 2008 e teve atuações incríveis.

Após uma relação deveras conturbada com a McLaren, Fernando Alonso decidiu voltar ao seu porto seguro: a Renault. Duas vezes campeão com a esquadra francesa, Alonso estava aliviado por voltar à equipe que o acolheu. Como companheiro de equipe, o jovem Nelson Ângelo Piquet, que fizera sucesso na GP2 em 2006, sendo vice campeão, mas estava lá apenas para servir a Alonso.

Os desempenhos que o espanhol obteve na Renault em 2008 foram sensacionais. Quinto colocado na temporada, Fernando venceu dois grandes prêmios, que terão parágrafos próprios. Ainda conquistou um segundo lugar, no GP do Brasil. Quer mais? Foi quarto colocado por cinco vezes e foi o piloto que mais marcou pontos na segunda metade da temporada.

Sobre as vitórias de Alonso: a primeira foi no GP de Cingapura, quando venceu após ter largado em 15º. O espanhol fez seu primeiro pit stop na volta 12, e na volta 14 seu companheiro de equipe Nelsinho Piquet sofreu um acidente, que provocou a entrada do safety car. Assim, todos os pilotos entraram para fazer seus pit stops, e Alonso venceu.

Um ano depois, o jornalista Reginaldo Leme trouxe à público que não tinha sido acidente, mas que a Renault teria premeditado o local e a volta da batida para provocar a entrada do safety car. O chefe da Renault, Flavio Briatore foi expulso da categoria e o diretor executivo de engenharia, Pat Symmonds fora suspenso por cinco anos. Nelsinho ficou estigmatizado publicamente e só conseguiu enterrar essa história em 2015, ao vencer o título da Fórmula E.

Na corrida seguinte, disputada no Japão, Alonso largou em quarto, mas assumiu a segunda posição devido à má largada de Lewis Hamilton e Kimi Räikkönen. Venceu o GP com autoridade e acabou o ano em 5º lugar, ocupando o posto de “melhor do resto”.

Na última corrida do ano, realizada no Brasil, outra exibição de gala do espanhol. Segundo colocado, o piloto foi brilhante e agiu com correção durante toda a prova.

Kimi Räikkönen em 2012

Räikkönen 2012
Kimi Räikkönen voltou à Fórmula 1 em 2012 com a motivação muito em alta.

Conhecido por seu jeito ríspido, Kimi Räikkönen foi campeão em 2007 de maneira absolutamente circunstancial. É verdade que ele fez uma segunda metade de campeonato excelente, mas o escândalo da espionagem (a McLaren tinha um espião que roubava os segredos da Ferrari) ajudou muito o finlandês a ser campeão. Se o título tivesse ficado com Fernando Alonso ou Lewis Hamilton, os pilotos da McLaren à época, a Fórmula 1 ficaria mal vista.

Apesar do título, a desmotivação ficou ao lado de Räikkönen em 2008 e 2009. A Ferrari dispensou-o para colocar Fernando Alonso. Sem espaço na Fórmula 1, Kimi fez as malas para o WRC (campeonato mundial de rali). Ficou lá em 2010 e 2011, sem resultados e com muitos acidentes. No fim de 2011, o nome de Kimi começou a ser sondado para a Williams, que tivera um péssimo ano e queria um bom piloto para 2012. A Lotus foi mais rápida e fisgou o finlandês primeiro.

No começo de 2012, discutia-se qual seria a performance de Räikkönen à frente do E20 (modelo do carro da Renault naquele ano). Alguns dos fãs diziam que ele teria desempenhos bons, mas não geniais. Outros falavam que ele envergonharia a equipe. Alguns falavam até em disputa pelo título. E foram esses últimos que ganharam.

Kimi fez uma temporada fantástica. Foi o piloto mais regular do ano, subiu ao pódio sete vezes, venceu uma corrida e marcou pontos em todas as provas, com exceção da China. Manteve chances de ser campeão até a antepenúltima etapa do campeonato. A motivação dele estava mais em alta do que quando foi campeão.

 

O desvalorizado

Ralf Schumacher Jordan
Ralf Schumacher com sua Jordan em 1997; sua carreira estava só começando.

PARTE I- JORDAN (1997-1998)

Quando um automobilista é parente de outro, a comparação é inevitável. Vários famílias tem pelo menos dois de seus integrantes na Fórmula 1. O clã que obteve mais sucesso foi o Hill. Juntos, o pai Graham e o filho Damon conquistaram três títulos (dois do pai e um do filho) e 36 vitórias (22 do filho e 14 do pai).

Irmão mais novo de Michael Schumacher, Ralf nasceu em 30 de junho de 1975. Entrou na Fórmula 1 na temporada de 1997, pela Jordan. Causou uma certa desconfiança: o irmão já era bicampeão mundial e tido como uma promessa para os anos seguintes. Contratado pela Ferrari, Schumacher tinha sido chamado para tirar a equipe do marasmo em que se encontrava desde 1979, quando Jody Scheckter fora campeão mundial.

A Jordan tinha uma linda pintura naquele 1997. Com o aerofólio dianteiro cujo acabamento lembrava o couro de uma serpente, a equipe foi 5ª no mundial de construtores. Três pódios (dois de Giancarlo Fisichella e um de Ralf) foram os melhores resultados. O bom desempenho do caçula Schumacher chamou a atenção dos fãs.

Em 1998, a Jordan tirou Damon Hill da Arrows e formou uma dupla que poderia trazer bons resultados: misturou o talento de um jovem com o de um experiente piloto. Mas a equipe sofreu na primeira metade da temporada. Ralf deu à equipe o primeiro ponto, com o sexto lugar no GP da Inglaterra. Mas o melhor desempenho da Jordan foi no GP da Bélgica, uma corrida que merece um parágrafo próprio.

O GP da Bélgica tem como primeira curva a La Source. Curva extremamente fechada, quase um “cotovelo”. Em quase toda edição do GP belga, é palco de acidente. Mas em 1998, doze carros se envolveram na confusão, considerado o acidente do século (sem vítimas). Michael Schumacher caminhava para uma vitória tranquila, quando atingiu David Coulthard, obrigando ambos a abandonar o GP.

A vitória acabou, de forma mais que merecida, com Damon Hill. Mas Ralf Schumacher deu muito trabalho para o companheiro. Quem já procurou os vídeos da vitória de Hill viu que Ralf nem parecia um piloto em seu segundo ano na categoria, tamanha sua correção, frieza e maestria na direção de seu Jordan em condições difíceis causadas pela chuva.

Na corrida seguinte, na Itália, ficou clara a evolução da Jordan. Com um belíssimo terceiro lugar, Ralf Schumacher deu à equipe mais um troféu. Damon Hill fez um sexto lugar correto e ajudou a equipe a somar pontos. Na corrida seguinte, em Nurburgring, a equipe não conseguiu pontos. Para finalizar o campeonato, no GP do Japão, Hill fez uma boa corrida e terminou em quarto lugar.

Os bons desempenhos de Ralf chamaram a atenção da Williams, que dispensou Jacques Villeneuve e Heinz-Harald Frentzen. Como companheiro do caçula Schumacher, o italiano Alessandro Zanardi, que estava fora da Fórmula 1 desde 1994.

PARTE II- WILLIAMS (1999-2004)

Ralf Schumacher Williams
O melhor momento da carreira de Ralf foi na Williams, onde conquistou seis vitórias.

A Williams corria com um motor Renault sem marca em 1999. O desempenho foi irregular, mas Ralf foi o fator do desequilíbrio: foi sexto colocado no campeonato, com 35 pontos, enquanto Alessandro Zanardi não fez nenhum tento no ano inteiro. Além disso, Schumacher fez três pódios, sendo dois terceiros lugares e um segundo. Com um carro mediano, Ralf tirou o máximo do bólido.

Quando chegou o novo milênio, a Williams confirmou Jenson Button, que à época era um jovem de 20 anos. Muito se falou sobre como seria o desempenho de cada um. Estava claro que a Williams não teria condições de lutar pelo título, mas havia a possibilidade de vitórias. Quem se sobressairia? O jovem de 25 anos ou o muito jovem de 20?

Ralf moeu Button. Fez o dobro de pontos e conquistou três pódios e outros dois quartos lugares. Button teve só um quarto lugar. A Williams decidiu dispensar Button e chamar Juan Pablo Montoya, que corria na Champ Car e fora campeão das 500 milhas de Indianápolis.

2001 foi a melhor temporada de Ralf na Fórmula 1. E o GP de San Marino, quarta etapa do campeonato de um campeonato de 17, foi marcante. A primeira vitória do caçula Schumacher, e na opinião de muitos, a melhor das seis que ele conquistou. Sem dar chances a ninguém, Schumacher fez uma corrida sem erros, e recebeu o abraço emocionado do irmão Michael ao fim da corrida.

No GP do Canadá do mesmo ano, fez uma dobradinha com o irmão mais velho. Ralf venceu, com uma ultrapassagem muito bonita em Michael. Tal feito se repetiu na França, mas com o heptacampeão no degrau mais alto do pódio. Era tarde para se iniciar uma disputa pelo título, mas foi em 2001 que Ralf Schumacher calou aqueles que diziam que ele viveria para sempre à sombra do irmão.

No GP da Alemanha de 2001, a Williams tinha feito a pole com Juan Pablo Montoya, que liderava a corrida com autoridade até a volta 22, quando sofreu uma quebra de motor. A vitória ficou com Ralf, pela terceira vez no ano. Vencer em casa foi especial para o jovem Schumacher.

Em 2002, o ano começou mal para o Schumacher da Williams. Logo na primeira curva do GP da Austrália, quando assumiria a liderança, subiu na roda traseira de Rubens Barrichello, causando um acidente que tirou outros oito carros da corrida. Michael venceu o primeiro GP de 2002.

Na corrida seguinte, na Malásia, a má sorte de Ralf parecia que estava prestes a mudar. Com um acidente entre Montoya, seu companheiro de equipe, e Michael, que tinha um carro mais forte, o piloto venceu o GP e deu a impressão de que poderia disputar o título com o irmão. Mas a impressão foi falsa. Michael venceu facilmente o campeonato, um dos mais chatos da Fórmula 1.

Ralf passou o resto de 2002 subindo no pódio outras cinco vezes. Na verdade, naquele ano, o único degrau do pódio que estava em aberto era o mais baixo: nove dobradinhas para a Ferrari, e Michael subiu ao pódio em todas as corridas, sendo campeão com seis grandes prêmios de antecedência.

A família Schumacher não teve sorte no começo de 2003. Kimi Räikkönen e Juan Pablo Montoya deram pinta de que dominariam o campeonato, deixando Michael, Ralf, Rubens Barrichello e David Coulthard com a briga do terceiro lugar de campeonato. Para piorar, Elizabeth Schumacher, mãe dos pilotos, morreu na noite de 19 de abril, véspera do GP de San Marino. Os irmãos correram, mas voaram para o funeral de Elizabeth logo após o fim do GP.

Foi no GP do Canadá o primeiro pódio de Ralf na temporada 2003. Segundo colocado, ele ficou atrás de Michael, que depois de oito corridas, assumiria a liderança do mundial, que estava com Räikkönen. O GP da Europa, realizado em Nürburgring, foi o palco da primeira vitória do caçula Schumacher em 2003. Ele estava em segundo lugar quando o carro de Räikkönen quebrou.

O GP da França foi um dos mais modorrentos da temporada. Viu uma dobradinha da Williams desde os treinos, e uma vitória esmagadora de Ralf, que venceu com 13 segundos de vantagem para Montoya. Foi a última vitória do irmão mais novo de Michael na Fórmula 1.

Ralf Schumacher Crash
Esse acidente, em 2004, abalou muito a confiança de Ralf Schumacher. 

Williams, McLaren e Renault viveram um ano péssimo em 2004. As três equipes tinham graves falhas técnicas, e sobrou para a BAR-Honda o posto de segunda melhor equipe do ano, com atuações memoráveis de Jenson Button. Entre as três equipes citadas, a pior foi a Williams. Com um carro duro e muito feio, a equipe conquistou três pódios, sendo três com Montoya e um com Ralf.

O grande problema de Ralf em 2004 foi um acidente em Indianápolis que o fez quebrar algumas vértebras. Esse acidente abalou muito sua confiança e tirou parte de sua velocidade. Assinou com a Toyota para 2005, com o compromisso de trazer vitórias e títulos aos japoneses.

PARTE III- TOYOTA (2005-2007)

Ralf Schumacher Toyota
No GP do Brasil de 2007, Ralf acelera sua Toyota. Foi sua última corrida na Fórmula 1. 

Já falei algumas vezes sobre a esbórnia de dinheiro perdido que foi a Toyota na Fórmula 1. Os carros eram péssimos, mas a expectativa da equipe para 2005 era enorme. Com dois pilotos talentosos (Trulli e Ralf), a equipe tinha planos de voar na frente das Ferrari, McLaren, Renault e Williams. O carro foi bem melhor do que em 2004: nos construtores, ganharam quatro posições. Mas não foram capazes de vencer uma corrida.

Sob o comando de Mike Gascoyne, um dos chefes de equipe mais mal encarados que já se viu, o projeto nipônico era realmente ambicioso. Na Toyota, Ralf se mostrou muito impaciente e indiferente com o futuro da equipe. Após sofrer um acidente nos treinos do GP de Indianápolis (na mesma curva em que quebrou as vértebras em 2004), o piloto chutou o carro com força. Não adiantou nada.

Para os fãs e especialistas, foi uma surpresa gigante quando Jarno Trulli conquistou pódios antes de Ralf. Para muitos, o papel do italiano seria servir o irmão de Michael Schumacher. Em números, o placar era favorável a Ralf: em toda a carreira, o alemão conseguira seis vitórias, cinco poles e 24 pódios. Trulli tinha uma vitória, duas poles e quatro pódios. Obviamente, Ralf seria o preferido da equipe.

Na realidade, nenhum dos dois foi bem. O carro maravilhoso e que lutaria por títulos na verdade deu à equipe apenas cinco pódios, número absurdamente aquém do esperado. Mas 2006 prometia. Naquele ano, a Toyota seria campeã. E com Ralf.

E o carro foi muito pior do que em 2005. Em 2006, o único pódio de Ralf foi absolutamente circunstancial, em um GP da Austrália fora do normal. Na corrida, antes de escalar até o terceiro lugar, Ralf tomou uma ultrapassagem por fora de Scott Speed, um sujeito que parecia um drogado na pista e fora dela. Foi esse pódio o único desempenho digno de nota da Toyota durante todo o ano.

A Toyota já estava perdendo a paciência com sua dupla de pilotos, que não rendia tudo o que os japoneses queriam. Aliás, paciência nunca foi o forte da Toyota. 2007 foi um ultimato para Ralf Schumacher, que estava ganhando o maior salário da Fórmula 1 e estava rendendo muito pouco.

Esse ultimato de nada adiantou. Pelo contrário, Ralf foi muito mal e fez sua pior temporada na Fórmula 1. Jarno Trulli também não foi bem, mas fez três pontos a mais que o companheiro. Em 2007, Ralf era o único Schumacher na pista. Mas o que acabou com o clima bom da Toyota foi a antipatia de Ralf.

Poucos devem se lembrar, mas em 2007 Ralf foi a prima-dona da Fórmula 1. Empurrou um fiscal de pista, criticou Jarno Trulli, criticou a equipe, falou mal de Fernando Alonso, da Honda e da Fórmula 1. Decidiu sair da Fórmula 1 no fim de 2007.

Ralf Schumacher Force India
Ralf chegou a testar a Force India no fim de 2007. O carro era de testes, mas tinha uma lindíssima pintura. 

Antes de pegar o boné e se aposentar, Ralf ainda testou a Force India, equipe estreante que faria o papel de lanterna em 2008. Ralf viu, andou no carro e rejeitou-o rapidamente. A equipe fez uma espécie de vestibular para decidir quem seria o companheiro de Adrian Sutil: Vitantonio Liuzzi, Ralf, Frank Montagny, Sakon Yamamoto, Fairuz Fauzy e Giedo van der Garde testaram o carro, mas o escolhido fora Vitantonio Liuzzi. Foi a última vez que Ralf acelerou um Fórmula 1.

PARTE IV- DTM (2008-2013)

Motorsports / DTM: german touring cars championship 2012, 1. Race at Hockenheim
Em 2012, Ralf continuou tendo desempenhos baixos no DTM. 

A Mercedes se interessou em ter Ralf no DTM a partir de 2008. Os desempenhos do alemão foram pífios em seu primeiro ano. Ele fez apenas três pontos, ficando nas últimas posições no campeonato. Os fracos desempenhos se repetiram até 2013, quando Ralf parou de correr de vez. Hoje, é diretor da área esportiva da Mercedes. O desempenho dele no DTM foi muito fraco.

A RELAÇÃO COM O IRMÃO

Motorsports / DTM: german touring cars championship 2012, 1. Race at Hockenheim
O abraço de irmãos é na foto. A relação teve momentos conturbados.

A relação de Ralf com Michael teve alguns problemas.Várias pequenas rusgas desgastavam a relação entre os dois. Mas foi em 2009 que a relação azedou. Michael falou que Ralf só estava na Fórmula 1 por ser irmão dele. Não é totalmente verdade, mas também não é totalmente mentira.

Quando Michael foi para a Mercedes, em 2010, a relação melhorou.Como fazia bem para o marketing da equipe mostrar os dois irmãos como dois amigos e companheiros, eles engoliram as brigas familiares e cumpriram as exigências. A foto que ilustra essa parte do post foi em uma corrida do DTM em 2012.

Apesar da relação nunca ter sido muito boa, eles tinham um certo respeito. Quem acompanhou as corridas da Fórmula 1 em 2001 (quando Ralf ganhou três etapas) via que o irmão mais velho sempre cumprimentava o caçula após as vitórias. Também é memorável quando Michael, Ralf e Wili Weber comemoraram o sexto título do mais velho: os três encheram a cara, quebraram uma sala e vestiram camisas da Toyota. Detalhe: Ralf ainda era da Williams.

Embora tenham tido contratempos, ambos também eram muito criticados por vários motivos: em primeiro lugar, a antipatia. Além disso, eram vítimas de tiração de sarro no paddock por existirem boatos de que ambos são homossexuais. Ralf foi massacrado com a “acusação”.

DIVÓRCIO E RELAÇÃO COM O IRMÃO VEGETATIVO (2013-atualmente)

Cora Ralf
As revistas de fofoca da Alemanha estão pegando muito pesado com a família Schumacher.

Desde que Michael Schumacher sofreu um grave acidente na estação de esqui de Méribel, na França, a família se calou. A esposa Corinna, os filhos, o pai Rolf, o irmão Ralf e a cunhada Cora estão em absoluta silêncio em relação à saúde do heptacampeão. Isso vem gerando vários boatos. Há quem diga que Schumacher está melhor, conseguindo dar alguns passos, há quem comente que ele está na mesma e existem aqueles que espalham que ele está praticamente morto.

Atualmente, as revistas de fofoca da Alemanha tiraram os holofotes de Michael e os colocaram em Ralf, que está se divorciando de sua mulher, Cora. A briga entre Ralf e Cora está sendo feia, mas a invasão dos paparazzi está sendo bem pior. Capas de revistas em todas semanas, Ralf prometeu processar as publicações.

Ralf foi um bom piloto, mas a comparação com o irmão é inevitável. Assim, muitos o desvalorizam. Talvez um dia as pessoas entendam o que é ser piloto de Fórmula 1.