ANÁLISE: torcedor e ídolo

Torcedores invadem a pista do GP do Brasil 15 de novembro de 2015
Torcedores invadem a pista de Interlagos no GP do Brasil de 2015.

É difícil entender alguns torcedores, principalmente no Brasil. Aqui, em qualquer esporte, se o ídolo ganha, é um gênio. Se perde, é um fracassado que envergonha a nação. Tomando como exemplo uma Copa do Mundo: o jogador pode ter feito tudo certo durante todo o torneio, ter sido o motor do time para a final e esta vai para uma decisão de pênaltis: se aquele jogador que acertou em todos os momentos for escolhido como o último a chutar o último pênalti e errar, ele será condenado ao fracasso, aos xingamentos e às críticas constantes, desgastantes e excessivas.

O exemplo foi o futebol, mas com a Fórmula 1 acontece a mesma coisa. Atualmente, com a chegada das charges virtuais (vulgos memes), Rubens Barrichello voltou a ser motivo de piada. Em época de Natal, faziam charges como se ele estivesse desejando uma boa páscoa. E as piadas não acabam nunca. Isso acontece com Rubens porque ele não foi o novo Ayrton Senna.

Para o torcedor, pouco importa se o piloto (brasileiro ou não) venceu duas ou três corridas ou se ele venceu 11, como ocorreu com Barrichello. Pelo simples fato de não ter sido campeão, o piloto merece ser apedrejado. Não está certo, mas não tem como discutir com uma massa de torcedores.

Ayrton Senna
Se Ayrton Senna tivesse se levantado de seu Williams no GP de Ímola de 1994, como seria seu futuro?

Para o torcedor brasileiro, só existe um piloto que representou o Brasil à altura: Ayrton Senna. Tido por muitos pilotos da Fórmula 1 atual como o melhor que já passou pela categoria, há quem diga que Senna salvou o Brasil de uma fase péssima, que ele era a única coisa que prestava na nação tupiniquim.

Em momento algum a capacidade de Senna pode ser questionada. Piloto rápido, preciso, competente e muito capaz. Mas o sucesso dele e o fato de Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, que tem uma capacidade muito parecida com a de Senna, deve-se ao fato de que Ayrton foi campeão em uma época em que o futebol estava em baixa.

A fase péssima a que me referi foi justamente quando Senna foi campeão pela primeira vez, em 1988. Com o governo de José Sarney em declínio e uma inflação que chegava a 80% ao mês, era natural que o país que estava sem força no futebol virasse suas atenções para o esporte em que um brasileiro se destacava à época: era a Fórmula 1, com Ayrton Senna.

Senna morreu em maio de 1994, em um trágico acidente no GP de Ímola. A comoção foi enorme. O país parou a quarta feira, 4 de maio, para assistir ao adeus ao ídolo. A morte precoce, aos 34 anos, comoveu o país e o mundo. Mas é difícil imaginar como teria sido o resto da carreira de Ayrton.

A Williams tinha um carro que deu à Damon Hill a chance de lutar pelo título de 1994, mas Michael Schumacher tinha um carro superior. Se Senna tivesse vivido, o título de 1994 dificilmente seria dele, afinal, ele sairia de Ímola com uma desvantagem de 30 pontos para Schumacher.

Faço questão de ressaltar que detesto fazer teses baseado em fatos inexistentes. Mas algumas dúvidas pairam no ar: se a coluna de direção que atingiu a cabeça de Senna tivesse batido 15 cm para baixo ou para cima (frase do repórter da ESPN estadunidense em 1994 John Bisignano) e ele tivesse caminhado de volta para os boxes, o futuro seria completamente diferente. Mas e se Senna não fizesse um bom campeonato e tivesse perdido a batalha na Williams para Damon Hill? O público, que vê Ayrton como mito, respeitaria ele do mesmo jeito?

O torcedor muitas vezes é cruel. Embora muito abatidos pela morte do ídolo Senna, na fila do velório do piloto (sim, na fila do velório) as piadinhas já rolavam soltas. Se ao morrer, com a faixa de herói nacional, as piadinhas já existiam, e se ele tivesse ido mal e pagado mico no resto da carreira?

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Vencedor de onze corridas na Fórmula 1 e duas vezes vice-campeão, Rubens Barrichello pode ter todos os defeitos, mas não é um piloto ruim.

Senna, por sua imagem e pelas merecidas 41 vitórias que conquistou, hoje é um dos principais nomes da história esportiva do Brasil. Apenas Pelé teve um sucesso mundial comparável ao dele. Emerson Fittipaldi, que teve 14 vitórias, e Nelson Piquet, que conquistou 23, tiveram uma repercussão muito menor que a de Senna.

Quando Ayrton morreu, a expectativa do Brasil estava depositada em Rubens Barrichello. Ao apresentar baixos desempenhos em 1995, o brasileiro foi apedrejado pela torcida. Mesmo após nove vitórias e dois vices-campeonatos na Ferrari, a imagem de Barrichello só foi reconstruída em 2009, quando renasceu das cinzas e disputou o título, conquistando duas vitórias. O fato de ter sido o piloto que mais disputou grandes prêmios (326, recorde que permanece intacto) não serve de alento para o público. Para muitos, apesar da reconstrução da imagem, Barrichello foi o piloto que abriu mão de uma vitória para deixar o companheiro de equipe passar.

O torcedor brasileiro é um dos mais cruéis com seus pilotos. Para a grande maioria deles, só existe Ayrton Senna. A relação entre torcedor e ídolo é digna de estudos.

 

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