Voltei. Estudante de Direito no 3º Semestre possui um tempo absurdamente escasso. Com o fim das minhas provas, quero postar ao menos um texto por semana ao longo das minhas férias, o que totalizaria oito textos em um período de dois meses. Querer nem sempre é poder, mas vamos que vamos.
O GP do Brasil de 2019 da Fórmula 1 foi uma verdadeira obra-prima, daquelas combinações que os deuses do automobilismo proporciona-nos não todo dia. Entretanto, pretendo fazer um post sobre as melhores corridas da temporada, então a análise da corrida fica para depois. Hoje quero falar sobre uma combinação que a história mostrou que dá bem errado: não, não estou falando de chuva e Sebastian Vettel ou sushi e cream cheese. Estou falando de coisa séria: automobilismo e política. Taí duas coisas que são (ou deveriam ser) água e óleo. São tão água e óleo que eu não consegui fazer um top 6, como já é de costume neste blog, mas sim um top 7.
Talvez vocês estranhem, mas não vou mencionar o caso do argentino Carlos Reutemann (terceiro colocado nos mundiais de 1975, 1978 e 1980 e vice-campeão de 1981), que foi governador da província de Santa Fé, pré-candidato do Partido Justicialista à sucessão de Cristina Kirchner à presidência em 2015 e senador desde 2013. Por que? Porque não tenho conhecimento, base teórica e traquejo o suficiente para falar disso, portanto não quero arriscar palpites. Mais gente poderia fazer isso, como os “adevogados” de Facebook que saem por aí falando abobrinha.
Sem mais delongas, vamos lá. Se quiser acrescentar algo, só comentar!
7-JOSÉ SERRA NO GP DO BRASIL DE 2007
Tem gente que simplesmente não curte um determinado esporte. Não é que seja aversão, asco, ranço, nada disso. Simplesmente o bichinho daquele esporte não te morde. É o meu caso com o futebol, por exemplo. Já fui a dois jogos ao vivo, mas simplesmente não bate, não é uma coisa que eu curta, que me empolgue.
José Serra, hoje senador, sabe exatamente do que eu estou falando. A diferença é que ele, palmeirense doente, ama futebol e não está nem aí para as corridas. Não sei até que ponto é verdade, mas já ouvi que Serra, ao saber que a Indy viria para o Brasil, imediatamente perguntou à Soninha Francine, coordenadora de sua campanha à presidência em 2010, se estavam falando do então deputado Índio da Costa (DEM-RJ), que posteriormente foi seu vice na campanha.
Pois bem. Fato é que gostando ou não de Fórmula 1, qualquer político paulista e paulistano tem enorme interesse em manter o GP do Brasil aqui e fazer o evento ser um sucesso de público e organização. Em 2007, Serra visitou o autódromo de Interlagos meses antes da corrida que coroou o título mundial de Kimi Räikkönen e a amarelada histórica de Lewis Hamilton para verificar as condições da pista e asseverar que os fãs poderiam, pela primeira vez, utilizar a Estação Autódromo, inaugurada a toque de caixa quatro dias antes da corrida.
Chega no dia 21 de outubro de 2007. Serra e o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, chegam na pista e são, como de costume, cercados por jornalistas que querem ouvir palavras dos políticos. Eis que, para algum repórter que eu não lembro mais qual é, o vampiro paulista diz que estava animado para ver “uma excelente partida no autódromo”. Ignorou que não havia bola, tiro de meta, escanteio e pênaltis.
E não acabou por aí. Serra estava escalado para entregar o troféu ao segundo colocado da prova, Felipe Massa. Entretanto, ao ter seu nome anunciado nos auto-falantes do circuito, o governador imediatamente pegou o troféu e foi em direção a Fernando Alonso, que concluíra a prova na terceira posição. Rindo (estado de espírito natural do espanhol ao ver a derrota de Hamilton), Fernandito ficou meio sem graça e só disse “o Massa é aquele ali”.
Dá nem para dizer que foi feio. Eu, por sinal, que não sabia quem era Pelé até os 6 anos de idade, não tenho moral nenhuma para falar nisso.
6-APRESENTAÇÃO DA COPERSUCAR
O ano é 1970. O Brasil ganha a Copa do Mundo pela terceira vez em 21 de junho e Emerson Fittipaldi conquista uma vitória heroica em 4 de outubro. Heroica, porque garantiu o título póstumo de Jochen Rindt, seu companheiro de equipe Lotus. A partir daí, com o sucesso de Fittipaldi no automobilismo e de Pelé no futebol, o brasileiro médio tinha motivos para se orgulhar de ter o verde e o amarelo como as cores de sua bandeira. Afinal de contas, em um país que tem sucesso esportivo a sair pelo ladrão e um bom crescimento econômico, o povo tinha o pão na mesa e o circo. Ou seja, motivos suficientes para gritar “eu te amo, meu Brasil”. Tinha alguns problemas, como impossibilidade de votar para presidente, torturas, desaparecimentos forçados, censura, exílio, entre outros, mas nada de muito relevante (contém doses cavalares de ironia).
Nesse sentido, Emerson Fittipaldi foi inflado, tratado como gênio, desbravador na mata virgem que ainda era a Fórmula 1 para os brasileiros. Campeão em 1972 e vice em 1973, topou o desafio de comandar a ainda crescente McLaren, para onde foi em 1974. Foi campeão de novo e por lá permaneceu em 1975, perdendo o título daquele ano para Niki Lauda.
Ao fim de 1974, o irmão de Emerson, Wilson, decidiu entrar de cabeça em um projeto extremamente ambicioso: ter a primeira equipe brasileira da história da categoria. A esquadra, patrocinada pela cooperativa açucareira Copersucar, foi apresentada em Brasília, na sede do Senado Federal. Embora Wilson fosse o único piloto a guiar um dos carros da equipe em 1975, a presença de Emerson no lançamento era mais que necessária: afinal, nada atrairia mais a atenção dos presentes que o bicampeão de Fórmula 1. E lá estava ele, pomposamente ao lado do irmão e do então presidente do Brasil, Ernesto Geisel. O problema é que, ao fim de 1974, o tal do milagre econômico já tinha acabado, a economia tinha problemas e a população já não estava mais lá tão contente com seus governantes. Ao fim e ao cabo, foi mais uma anti-propaganda que qualquer outra coisa. Ainda assim, a equipe foi recebida com uma certa simpatia pelo público.
1975, como a maioria dos primeiros anos de equipes na Fórmula 1, foi uma verdadeira tragédia. Wilson não foi capaz de marcar pontos e a credibilidade da Copersucar foi lá para o pé. Aí, visando salvar a imagem de sua equipe e, principalmente, dar alguma possibilidade de sucesso ao negócio, Emerson Fittipaldi, ao fim de 1975, opta por deixar a McLaren, time com o qual fora vice-campeão do mundo daquele ano, para ir para a equipe tupiniquim. Seria mais ou menos a mesma coisa que Lewis Hamilton, hoje ou amanhã, jogasse tudo para o alto e fosse correr na Williams, com o fito de resgatar e melhorar a imagem da equipe de seu país. E foi lá que ele permaneceu até o fim de sua carreira, em 1980. Teve bons momentos, sim, como o segundo lugar no GP do Brasil de 1978 e os pódios obtidos por ele e Keke Rosberg em 1980, quando a equipe já se chamava Fittipaldi e tinha o patrocínio da Skol. O problema é que os maus momentos foram bem mais frequentes.
A falta de resultados e a má impressão inicial causada pela proximidade com uma política que já não mais agradava os cidadãos foi o combo perfeito para que a Copersucar, durante sua história, fosse tratada como motivo nacional de chacota. Em 1982, com patrocínios escassos (no caso o Brasilinvest, banco de investimentos, a Petrobras e a fabricante de bicicletas Caloi), já não dava mais para pagar as contas, e Wilson Fittipaldi fechou a equipe. Naquele ano, apenas um ponto foi marcado, com o sexto lugar de Chico Serra. Terminou assim, de forma decadente e triste, a história da única equipe brasileira da história da Fórmula 1. E de um dos maiores casos de chacota automobilística no Brasil.
A experiência de Fittipaldi com a política, cabe destacar, não foi a única. Em 2018, o bicampeão apoiou ativamente a campanha vitoriosa de Jair Messias Bolsonaro à presidência da República. Fez vídeo de apoio, mudou o número do kart do filho para 17, tudo isso. Bolsonaro, deve-se destacar, ficou bastante feliz com o apoio de Emerson, que possui várias plantações de laranja no interior do estado de São Paulo.
5-BOLSONARO E O ACORDO McLAREN-PETROBRAS
Eu creio que já tenha ficado claro: sou absolutamente contra o governo de Jair Bolsonaro. Sempre o achei do pior tipo de gente que o mundo pode produzir: sem educação, racista, machista, homofóbico, preconceituoso, falastrão, arrogante e por aí vai. Como Fernanda Young, em sua última coluna n’O Globo, definiu: um cafona. Mas não estou aqui para falar propriamente de política.
Em 2017, a McLaren e a Petrobras firmaram uma parceria técnica e científica que passou a valer a partir da temporada de 2018. Inicialmente, a parceria teria como objetivo único a publicidade nos carros alaranjados, mas posteriormente a petrolífera brasileira seria responsável também por levar seu combustível à esquadra que tem Lando Norris e Carlos Sainz como pilotos. O problema é que, em 2018, Jair Messias Bolsonaro se elegeu presidente. E, como qualquer pessoa que tem uma couve-flor no espaço que deveria ser ocupado por seu cérebro, ele entende que gastos devem ser cortados indiscriminadamente. Assim, ele considerou que o acordo da estatal com a McLaren era bobagem e tinha que ser quebrado a todo custo.
Em maio de 2019, Bolsonaro foi ao Twitter (rede social que ele usa à exaustão, embora não necessariamente seja ele quem escreva) e disse que o acordo de R$ 782 milhões válido por cinco anos entre a petrolífera e a McLaren estava sendo esmiuçado para que houvesse uma forma de se rescindir. O problema é que JMB errou duplamente: o valor do contrato era de aproximadamente R$ 312,8 milhões de reais, e não durava cinco, mas seis anos. E diga-se: é um valor bem aceitável. Tem muita empresa por aí que gasta bem mais do que isso na Fórmula 1.
Após essa sandice, Felipe Massa e Lucas Di Grassi, apoiadores de carteirinha do presidente (me dói na alma ter que me referir a ele como presidente), foram ao Twitter e falaram ainda mais bobagens do que o dito cujo. Di Grassi afirmou que era função da iniciativa privada, e não do Estado, negociar patrocínios. Massa, por sua vez, ficou espantado com a quantia (a errada) dada pela Petrobras à McLaren em troca de um espaço tão pequeno do carro. Os dois, com uma preguiça que nem um híbrido de Macunaíma e Jeca Tatu conseguiria ter, nem se deram ao trabalho de pesquisar as informações. E um detalhe fundamental: Di Grassi foi piloto da academia da Renault no fim dos anos 2000, equipe que era apoiada pela petrolífera francesa Total, que é uma estatal.
Em novembro de 2019, Petrobras e McLaren anunciaram a rescisão do contrato. Com isso, a McLaren não estampará o logotipo da Petrobras em seu bólido azul e laranja a partir da temporada 2020 da Fórmula 1. Deixará de expor a principal estatal brasileira em 22 países do mundo. “Ah, para de falar abobrinha, a Petrobras é uma empresa grande e existem inúmeros outros meios de ela se vender pro mundo, vai para Cuba, comunista, petista, defensor do Lenin, do aborto e das drogas”, podem falar uns. Tudo bem. Mas você acha mesmo que não tem uma lógica para as empresas apoiarem equipes de Fórmula 1? Por que a Petronas está há tanto tempo com a Mercedes e a Shell há tanto tempo com a Ferrari? Acho que é porque o automobilismo é bom para os negócios, certo? Mas explicar isso para o presidente do Brasil é sofisticado demais para ele entender.
4-DÁRCY VERA E A STOCK CAR EM RIBEIRÃO PRETO
Sabe gente ambiciosa? Daquela que chega na empresa como estagiário e quer virar CFO no segundo dia? Essa é uma definição que, com alguns ajustes, definiria com exatidão a ex-prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera. Cabe aqui até uma pequena biografia de Dárcy antes de começar o tema central do assunto. Nascida na pequena cidade de Indiaporã, de origem pobre, ela catava algodão na roça, vendeu panela de porta em porta até se tornar telefonista numa rádio de Ribeirão Preto. Um dia, teve a oportunidade de falar na rádio, foi bem e promovida a radialista. Tornou-se popular, decidiu entrar para a política e foi quatro vezes vereadora da cidade por partidos como PPB (atual Progressistas) e PFL (atual DEM). Em 2006, foi eleita deputada estadual por São Paulo e em 2008, prefeita de Ribeirão Preto.
Com o objetivo claro de trazer mais holofotes para a cidade que governava, Dárcy Vera lutou para manter a Agrishow, maior feira de produtos e maquinários agrícolas da América Latina, na cidade e batalhou para trazer uma etapa da Stock Car para Ribeirão Preto. Sabe o legado da Copa que Dilma Rousseff previu para o Brasil? Dárcy previu a mesma coisa para Ribeirão. De tão amigas que as duas se tornaram depois que Dilma se tornou presidente, a união se deu até nisso, porque o legado fez água nos dois casos.
Pois bem. Em 2010, Dárcy levou a Stock Car para Ribeirão Preto, com um traçado de rua que permaneceu no calendário de 2010 a 2015, com interrupção em 2014. Para a primeira corrida, foi feito um convênio entre a prefeitura e a União para as ações publicitárias referentes à corrida no município: a Prefeitura de Ribeirão disponibilizaria R$ 200 mil e o Governo Federal, por meio do Ministério do Turismo, R$ 2 milhões. Essa dinheiro deveria ser utilizado exclusivamente pelo poder público, ou seja pela Prefeitura.
Em 2010, o mundo era cor-de-rosa (cor essa usada à exaustão pela então prefeita em suas campanhas eleitorais), Dárcy Vera possuía um catatau de apoiadores e de aliados políticos e levar os carros da Stock para desfilarem nas ruas da cidade fazia muito bem para a publicidade dela. Inclusive, vale lembrar, sua campanha vencedora à reeleição em 2012 (na ocasião, Dárcy derrotou o então deputado federal e seu sucessor na prefeitura, Duarte Nogueira, por 52% a 48%), a política se utilizou muito do fato de ter trazido a Stock Car para a Califórnia Brasileira. Em 2015, porém, a cidade já estava numa pindaíba total, com pessoas morrendo nos hospitais por falta de atendimento e as ruas completamente esburacadas. Aí não teve jeito e Dárcy teve que desfazer-se de um grande orgulho que ela tinha.
Só que o Ministério Público tinha um interesse bem pertinente: como foi usada a verba de R$ 2,2 milhões para a publicidade do evento? Houve todos os trâmites legais? A prefeitura cometeu alguma maracutaia? Eram perguntas bem interessantes e que exigiam respostas bem convincentes. Que obviamente não vieram.
Dárcy repassou a verba referente à publicidade da corrida à Vicar Promoções Desportivas, empresa que é a dona da Stock, e à CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo). Por si só, isso já configura crime contra a administração pública: entidades públicas não podem sair alegremente por aí distribuindo dinheiro para ONGs, empresas privadas, associações, institutos ou fundações. A regra é a exigência de licitação, havendo alguns poucos casos previstos legalmente em que há dispensa desse tipo de procedimento, e o Ministério do Turismo não permitia que a Prefeitura repassasse esses recursos integralmente para terceiros. Só que tinha um probleminha a mais: nem a CBA e nem a Prefeitura conseguiram comprovar que os serviços foram efetivamente executados pela Vicar. Trocando em miúdos: não se conseguiu provar a execução da corrida. Nisso, entendeu-se que R$ 2,2 milhões desapareceram. Detalhe: tudo isso referente apenas à primeira corrida. Em 2013, Dárcy aceitou um acordo para devolver esses R$ 2,2 milhões, para não perder convênios federais importantes.
Só que o Ministério Público queria mais do que isso. Em 2018, Dárcy Vera foi condenada a cinco anos de prisão em regime semiaberto pelo desvio dessa verba. Mas nem fez muita diferença na vida dela, uma vez que já estava presa preventivamente por conta da chamada “Operação Sevandija”, que investigava o pagamento de honorários de advogado ao Sindicato dos Servidores Municipais. Agora, além dessa pena (que ainda não está sendo cumprida por não ter chegado nem à segunda instância), ela terá de restituir o tesouro municipal em R$ 2,3 milhões, pelo valor corrigido.
3-ESTÁTUA DE AYRTON SENNA NA ZONA LESTE
O governador de São Paulo, João Doria, é um grande fã de Ayrton Senna. Faz referências ao tricampeão em todo dia 21 de março e 1º de maio, participa de eventos que rememoram o piloto e constantemente está acompanhado de Viviane Senna, irmã de Ayrton, e de funcionários e membros do Instituto Ayrton Senna. Por essa razão, Doria esteve presente no lançamento da estátua de quatro metros em homenagem a Ayrton, em 18 de dezembro de 2019, junto a Viviane a José Marcelo Braga Nascimento, patrono do movimento “Eu amo o Brasil”.
Eu queria entender qual a real necessidade de se ter tantos logradouros e/ou homenagens a uma mesma pessoa. Ayrton Senna leva seu nome a uma estação de metrô na zona norte de São Paulo (Jardim São Paulo – Ayrton Senna), duas ruas (uma na Vila Roseira II, em Guaianazes, na zona leste, e outra no Jardim Maria Rita, encostado na Billings), uma rodovia estadual (a SP-70, antiga Rodovia dos Trabalhadores), uma rodovia municipal (SPA-097/225, no município de Itirapina) e um terminal de ônibus localizado na cidade de Poá, na Grande São Paulo. Isso tudo, diga-se, só no estado de São Paulo, sendo que eu deixei um monte de coisa de fora. As 27 unidades federativas possuem algum monumento ou logradouro com o nome de Ayrton Senna. É claro e evidente que ele era um grande piloto, um gênio na arte de conduzir um carro e um dos maiores ídolos da história do Brasil, mas o tratamento a ele destinado comumente o trata como se ele fosse uma espécie de santo (vale lembrar que em seu velório tinha mãe pedindo para que ele ajudasse o filho com problemas com o alcoolismo), de semideus, de único dos filhos do Brasil a ser digno de algum respeito.
Feito esse desabafo que vai levar um monte de viúva às lágrimas e a desejarem o apedrejamento deste que vos escreve, vamos voltar para a história. O monumento de quatro metros em homenagem a Ayrton Senna foi erguido no Parque Ecológico do Tietê, na Zona Leste da cidade, e contou com o apoio da associação sem fins lucrativos “Eu amo o Brasil”, que tem como patrono José Marcelo Braga Nascimento. Essa associação se define como “sem fins lucrativos, apartidária, voltada para a sociedade, cujos princípios visam contribuir com o desenvolvimento da educação para a cidadania e consciência cívica dos brasileiros”. Essa mesma entidade instalou, entre 2017 e 2018, uma série de bandeiras do Brasil em várias pontes da capital paulista, como símbolo do patriotismo. Por muito pouco isso não deu uma dor de cabeça para o tal patrono, uma vez que, embora a prefeitura tenha permitido essa instalação, o CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) não havia sido consultado acerca da história. Deu em nada e as bandeiras estão aí. E esse mesmo movimento resolveu construir a estátua de Ayrton Senna.
O problema é que a tal estátua, a julgar pelo tamanho, pela quantidade exagerada de cores e pelo formato, acabou parecendo um verdadeiro boneco de Olinda. Conseguiu a façanha de superar a já horrenda estátua de Borba Gato, situada em Santo Amaro, zona sul da capital. Exatamente, aquela estátua horrorosa que chegou a ser motivo de piada em 2007 (para quem não se lembra, um vídeo narrado por Paulo César Pereio lançava o pavoroso monumento à candidatura de sétima maravilha do mundo moderno; o Brasil possui um representante nesta lista, o Cristo Redentor) passou a ser algo bonito perto dessa estátua horrorosa em homenagem a Ayrton Senna. Para piorar, fizeram o negócio com um shape super gordo. Se colocasse o capacete de Juan Pablo Montoya ia ficar bem mais verossímil, lembrando os tempos do colombiano na Ganassi.
Para piorar as coisas, a inauguração se deu no pior momento possível. Este texto foi publicado em 19 de dezembro, um dia após a tal cerimônia. O trânsito nas estradas de São Paulo já está o inferno na Terra, e ficou ainda pior por causa da tal estátua: os motoristas reduziram a velocidade para ver o boneco power-ranger. Para se ter noção, a velocidade máxima da via é de 110 km/h, e a velocidade registrada na manhã seguinte da inauguração era de 15 km/h. A ideia era boa, a inauguração não foi no melhor momento e a estátua é simplesmente horrível, um horror, um espanto, um choque, uma das coisas mais cafonas que eu já vi na minha vida.
2-AUTÓDROMO DE DEODORO COMO SEDE DO GP DO BRASIL DE 2020
O Rio de Janeiro recebeu a Fórmula 1 em 1978 e entre 1981 e 1989, no Autódromo de Jacarepaguá. O GP do Brasil, que passou a ser parte do calendário da categoria em 1973 (houve um GP do Brasil extra-campeonato em 1972), era realizado em Interlagos, que à época foi considerada muito perigosa. Com isso, levou-se o evento para o RJ e o autódromo paulistano ficou completamente às moscas. Em 1989, quando assumiu a Prefeitura de São Paulo, a petista Luiza Erundina foi até o autódromo e, com o objetivo de trazer a Fórmula 1 novamente para cá, fez uma grande reforma que trouxe o GP do Brasil novamente para São Paulo a partir de 1990. Jacarepaguá continuou sendo sede de importantes eventos, como a Stock Car, a CART e a MotoGP. Entretanto, em 2002, o Rio de Janeiro foi eleito sede dos Jogos Pan-Americanos de 2007. E uma competição desse porte precisava de um complexo esportivo, que de acordo com a prefeitura, poderia ser onde era o autódromo de Jacarepaguá. Destruiu-se uma parte da pista e, posteriormente, todo o traçado, já que era necessário aumentar esse complexo para a realização das Olimpíadas de 2016. Os ex-prefeitos cariocas Cesar Maia e Eduardo Paes são personas non gratas entre os fãs de automobilismo carioca.
Aí, em 2009, levantou-se a hipótese acerca da construção de um novo autódromo no Rio de Janeiro, localizado em Deodoro. De imediato, os especialistas e fãs apelidaram o projeto e a ideia de “duvideodoro”. E tudo bem, todo mundo já tinha se conformado que a Cidade Maravilhosa não teria um autódromo. Afinal, com o passar dos anos e a corrupção sistêmica que acometia o Rio de Janeiro, os recursos estavam cada vez mais escassos e uma unidade federativa que tinha dificuldade para garantir o salário do funcionalismo não tinha condições de arcar com a construção de um autódromo. Qualquer governante com um mínimo de responsabilidade saberia disso.
O problema é que Jair Messias Bolsonaro, Wilson José Witzel e Marcelo Bezerra Crivella não se encaixam na categoria “governantes com um mínimo de responsabilidade”. Aí, no dia 8 de maio de 2019, Bolsonaro usa sua metralhadora de sandices, conhecida popularmente como Twitter, para divulgar o seguinte texto: “Após nossa vitória nas eleições, a Fórmula 1, que iria embora do Brasil, decidiu não só permanecer, mas também construir um novo autódromo no RJ, que terá o nome do ídolo Ayrton Senna. Com isso, milhares de empregos serão criados, beneficiando a economia e a população do estado”. Witzel apoiou, Crivella também. E o presidente da República ainda disse que havia 99% de chances de o GP de 2020 já ser realizado no Autódromo de Deodoro. Detalhe: o contrato com Interlagos vai até 2020, e quebrar esses contratos não costuma ser muito lucrativo para nenhuma das partes. Afinal, se a Liberty Media tem bons advogados, o poder público também os tem.
O tweet de Bolsonaro era repleto de idiotices. Em primeiro lugar: a Fórmula 1 nunca considerou ir embora do Brasil. Atualmente, a terra do Carnaval, do Futebol e do bolo entre dois pratos ao fim de cada festa de aniversário representa a maior audiência da categoria no mundo. Havia, sim, o fim do contrato com Interlagos, que se encerra ao fim de 2020, mas não conjecturas acerca da saída da categoria. Segundo e mais importante: a Fórmula 1 não é uma empresa e não constrói autódromos. Não construiu Melbourne, nem Aida, nem Kuala Lumpur, nem nenhuma outra pista em lugar nenhum do universo. Em um tweet, duas asneiras sem fim. Bolsonaro, posteriormente, ainda disse que o Autódromo seria construído totalmente pela iniciativa privada, como se algum bilionário brasileiro estivesse a fim de fazer o que os xeiques árabes fizeram lá em Abu Dhabi.
E tinha um probleminha a mais: a área destinada ao autódromo, que foi cedida pelo Exército Brasileiro, possui uma série de restrições ambientais, dependendo de uma autorização de manejo arbóreo para que seja alterada. E nenhum órgão estatal concedeu essa autorização. Por isso, não dá para construir nada ali enquanto não sai esse documento. E para piorar: o Ministério Público do RJ abriu uma investigação para apurar a licitação para a construção do tal autódromo. E, com isso, qualquer obra relacionada a ele não poderia ser continuada.
Quando começou essa discussão, jornalistas brasileiros que cobrem Fórmula 1 perguntaram a Chase Carey, o chefão da Liberty Media, se a categoria ia ser realizada em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Meio sem graça, o bigodudo respondeu que “haverá corridas no Brasil”. Isso, como eu falei lá em cima, é meio óbvio. Além de a audiência ser enorme, os pilotos amam esse lugar. Ao chegar em São Paulo para disputar a corrida de 2019, Max Verstappen afirmou que prefere ter dois GPs no Brasil a deixar de correr em Interlagos. Lewis Hamilton, ecochato como este que vos escreve, disse que não queria correr onde árvores fossem destruídas e que o dinheiro deveria ser investido em educação e não na construção de uma nova pista, mostrando-se alguém razoável.
Como eu nunca sou imparcial e puxo a sardinha para o meu lado quando dá, eu digo: vai ser em São Paulo e é bom os três patetas irem procurar outra coisa para fazer, contanto que isso não signifique atirar na favela, cometer apologia ao estupro ou crimes sistemáticos de homofobia (entenderam que uma ação corresponde a um governante, né?).
Aí vocês podem estar pensando que eu estou defendendo que vai ser em São Paulo porque eu sou paulistano, moro aqui e quero que a corrida fique onde é mais conivente para mim, sem me preocupar com os empregos gerados e porque eu sou um comunista malvado. Sinto desapontá-los: não, não tem nada a ver. Óbvio que a minha torcida é pela permanência, mas eu acho que fica aqui porque o governador de São Paulo atende pelo nome de João Agripino da Costa Doria Júnior. Doria é um grande empresário, acostumado a negociar, a brincar com tubarões e se mostrou bastante disposto a manter a Fórmula 1 aqui em São Paulo. Em janeiro próximo, Doria vai receber os tubarões da Liberty e eu não duvido os caras já saiam daqui do Brasil de contrato assinado. Se vai acontecer ou não, só o tempo vai nos dizer. Mas eu sinceramente acho bem estranho que o estado e o município do Rio de Janeiro, que cambaleia até para pagar o funcionalismo, tenha café no bule para construir um autódromo. E, sinceramente, se construir, é motivo de sobra para os funcionários públicos (em especial os da prefeitura) quererem comer o fígado do prefeito Marcelo Crivella, que recentemente suspendeu os pagamentos de 13º salário aos servidores.
1-FERNANDO COLLOR NO GP DO BRASIL DE 1990
Em 1989, em uma eleição tão pautada por baixarias, medos e terrorismos mentais quanto a de 2018, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente da República na primeira eleição direta para presidente desde 1960. Ex-governador e ex-deputado federal de Alagoas, ex-prefeito de Maceió, Collor se elegeu como o mais jovem a ascender ao cargo de presidente, com apenas 40 anos de idade. Por essa razão e somado ao Leão que tem como signo no zodíaco, Collor fazia questão de mostrar sua jovialidade ao se deixar registrar andando de jet ski, correndo e praticando esportes, e sua virilidade por meio de frases como “eu tenho aquilo roxo”.
É óbvio que um pavão desses não poderia deixar de tirar uma casquinha com o sucesso alheio. O GP do Brasil de 1990 foi realizado 10 dias depois de sua posse, quando a população já estava desesperada e com medo do confisco em suas poupanças. Ainda assim, o otimismo no governo que acabara de começar ainda continuava, ainda que com algumas desconfianças por parte do eleitorado. Para saná-las e para mostrar a imagem de um Brasil que funcionava e dava certo, Collor decidiu entregar o troféu de primeiro colocado da etapa brasileira a Ayrton Senna, desconsiderando a existência de outros 25 homens no grid. No automobilismo e fora dele, a história nos mostrou que nunca é bom negócio fazer pouco dos seus oponentes; Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, chegou a sentar e fazer um monte de poses na cadeira de prefeito de São Paulo em 1985, sendo derrotado por Jânio Quadros semanas depois. Empossado, o ex-presidente desinfetou o móvel alegando que nádegas indevidas haviam sentado ali.
Dado o exemplo, vale rememorar que Senna fez a pole enfiando inacreditáveis seis décimos de segundo no lombo de Gerhard Berger, seu companheiro de McLaren, e oito décimos de segundo no de Alain Prost, seu rival recém-chegado na Ferrari e, à época, inimigo mortal. Fez uma largada tranquila e esteve à frente em quase todas as voltas, exceção às de número 33 e 34, quando fez pit stop, e viu Berger em primeiro. Só um erro crasso tiraria de Ayrton a primeira vitória em casa. Na mosca!
Na volta 40, Senna foi dar uma volta em Satoru Nakajima, da Tyrrell, e cometeu um erro de cálculo, enchendo a traseira do japonês e destruindo o bico do carro. “Japa cego”, “inconsequente”, “canalha” e “temerário” foram só algumas das belas palavras que o pai de Kazuki Nakajima ouviu durante algum tempo, afinal de contas Senna não era um ser humano, e sim uma criatura infalível, acima do bem e do mal e imune a qualquer tipo de falha. E em 1990, trocar o bico de um carro não era uma tarefa fácil como a de hoje: na temporada 2019, um aerofólio dianteiro pode ser trocado em menos de 10 segundos. Na época o buraco era mais embaixo. Ele entrou no box, fez sua parada e perdeu a liderança e o segundo lugar para Prost e Berger, respectivamente. Acabou a prova em uma razoável, mas frustrante terceira posição.
E, com isso, Fernando Affonso Collor de Mello acabou entregando o troféu justamente para o maior rival da carreira de Senna. De início, o presidente queria até não entregar, mas acabou dando o troféu a Alain. Senna, posteriormente, disse que acabou batendo em Nakajima porque se viu, naquele momento, em um contato muito forte com Deus, chegando a ver o “lá de cima” em um ponto da Junção. E eu não vou zoar isso porque não gosto de fazer troça nem com a religião alheia e nem com eventuais delírios de tricampeões mundiais. Vai que é doença…
No ano seguinte, já sem a presença nefasta de Collor, Senna venceu aquele GP estando apenas com a sexta marcha, levou o público às lágrimas e todo mundo ficou feliz. O presidente, por sua vez, só caiu em desgraça, vindo a perder o mandato ao fim de 1992. Hoje em dia, é senador e vive de boa, só se preocupando vez ou outra em apagar algum foco de incêndio relacionado a alguma denúncia de corrupção.